Até
a entrada em vigor da Lei
nº. 12.441, de 11 de julho de 2011, um indivíduo que quisesse
registrar seu nome individualmente e adquirir um CNPJ para exercer a
atividade empresarial autonomamente poderia fazê-lo exclusivamente
tornando-se um empresário individual. Concretizava-se, portanto, a
empresa, através da disposição de dados reais e pessoais com o
escopo da atividade empresarial1.
Neste
sentido, havia uma confusão da empresa com o empresário, de forma
que o
empresário seria responsável, sem qualquer questionamento, pelas
dívidas adquiridas no exercício da atividade empresarial.
Em
julho de 2011, entretanto, promulgou o Congresso Nacional a Lei de
nº. 12.441, que criou no país a figura da empresa individual de
responsabilidade limitada, acrescendo ao Código Civil, no livro
tratante do direito de empresa, o artigo 980-A.
A
empresa individual de responsabilidade limitada surgiu como invenção
do direito dominicano2,
quando, a partir de sua Lei de nº. 19.857, de fevereiro de 2003,
criou-se a chamada empresa
individual de responsabilidad limitada3,
com o intuito dúplice de fomentar as iniciativas comerciais de
pequenos empresários e reduzir, desta forma, o número de empresas
fictas e irregulares.
Teve
no Brasil a mesma intenção. Neste sentido, o empresário individual
que se registra sob a figura de empresa individual de
responsabilidade limitada (consagrado EIRELI
pelo parágrafo primeiro do art. 980-A do Código Civil, acrescido
pela Lei nº. 12.441/11), terá
seu patrimônio em separado de sua figura ficta de escopo
empresarial.
Portanto,
o regime patrimonial do EIRELI
se iguala ao das demais empresas, de forma que caso tal figura
empresarial venha à falência, os bens pessoais do empresário não
deverão ser afetados, criando, portanto, para o empresário, uma
proteção jurídica, para, assim, fomentar a atividade empresarial.
Registrar-se-á,
portanto, o empresário, sob número de CNPJ, integralizando
individualmente o capital da empresa, que, conforme o art. 980-A,
“não
será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no
País”.
O
art. 980-A traz, igualmente, que “aplicam-se
à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as
regras previstas para as sociedades limitadas”. Neste
sentido, vemos que a primeira regra e diferencial das sociedades
limitadas encontra-se no art. 1.052, que prevê que “na sociedade
limitada, a responsabilidade de cada sócio
é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social”.
Vê-se,
portanto, que para a maior parte dos efeitos, a empresa individual de
responsabilidade limitada deverá ser tratada como sociedade
limitada, de forma que os bens particulares do sócio estariam
protegidos de serem executados por dívidas de sua atividade
empresarial.4
Todavia,
prevê o Direito brasileiro o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica, tal através do qual, mediante a análise do
caso concreto, e observando abusos ou interesses fraudulentos por
partes dos sócios, poderá o juiz desconsiderar o previsto no art.
1.052 do Código Civil, obrigando o sócio responsável a arcar com
seu patrimônio particular pelas dívidas da empresa.
O
alemão Rolf Serick, no ano de 1953, em sua tese de doutorado perante
a Unidade de Tübigen, sistematizou a chamada teoria
maior da desconsideração da personalidade jurídica,
mais tarde por ele explanado em seu trabalho Rechtsform
und Realität Juristischer Personen.
Tal
teoria é adotada hoje em dia pelo ordenamento jurídico brasileiro,
e
trouxe consigo determinados princípios, dentre eles que:5
“O juiz, diante de abuso da forma da pessoa jurídica, pode, para
impedir a realização do ilícito, desconsiderar o princípio da
separação entre sócio e pessoa jurídica”.
Neste
sentido, poderá o magistrado simplesmente desconsiderar a autonomia
patrimonial de determinada sociedade e atingir diretamente o
patrimônio dos sócios, com o fim de prezar pela ordem jurídica e o
bom cumprimento das leis.
Cabe, portanto, ao juiz, mesmo que independente de lei, analisar o
caso concreto, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no
julgamento do RE
562.276:6
Responsabilidade
tributária. (...) Sócios de sociedade limitada. (...) O art. 13 da
Lei 8.620/1993 (...) se reveste de inconstitucionalidade material,
porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os
patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor
desconsideração ex
lege e
objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades
limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada,
afrontando os arts. 5º, XIII, e 170,
parágrafo único,
da Constituição.
Inobstante,
afirmou Serick que: “Não é possível desconsiderar uma autonomia
subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo de uma norma
ou a causa de um negócio não foram atendidos”7.
Desta forma, é necessário que se comprove o abuso da personalidade
jurídica, ou que tal personalidade fictícia está sendo instrumento
para burlar a legalidade.
Neste
sentido, passou o ordenamento pátrio a incorporar tal teoria,
como
é possível observar no art.
134, VII e
art.
135, II do Código Tributário Nacional e no
art. 2o.,
§ 2o
da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Traz
o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28, não obstante,
que:
Art.
28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração.
§
5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que
sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados aos consumidores.
Goza,
portanto, a empresa individual de responsabilidade limitada, de
patrimônio próprio, independente dos bens dos sócios, não devendo
estes serem afetados pela falência, salvo de comprovado manifesto
interesse abusivo, ilicitude, má administração que traga
insolvência, encerramento ou inatividade da empresa, ou para
proteger o consumidor de eventuais prejuízos.
REFERÊNCIAS
1DINIZ,
Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 8: direito
de empresa. 2. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009.
2Disponível
em: <http://www.dudalegal.cl/eirl.html>,
acessado em 29 de maio de 2013.
3Disponível
em: <http://www.diarioficial.cl/actualidad/20ulle/03021119857.html>,
acessado em 29 de maio de 2013.
4COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de
empresa. 11. ed. rev. E atual. São Paulo: Saraiva: 2008.
5SERICK
Rolf. Rechtsform un Realität jurisdicher Personen. Ed. italiana.
Milão, Giuffrè, 1966. p. 276.
6RE
562.276, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-11-2010, Plenário,
DJE de 10-2-2011.
(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)
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