Pelo princípio de Saisine (droit de Saisine),
“aberta a sucessão – o que ocorre com a morte da pessoa –, a herança
transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” [1].
A herança constitui-se, assim, na universalidade dos bens de propriedade do de cujus, que passa de imediato aos
herdeiros e forma um todo indivisível até a partilha (art. 1.791, parágrafo
único, do Código Civil).
A pretensão de usucapião, por sua vez,
tem natureza meramente declaratória [2], de
sorte a sentença que julgar procedente a demanda terá efeito de reconhecer uma
situação de propriedade preexistente. Para Daniel Amorim Assumpção Neves, “a
propriedade não é constituída pela sentença, e sim pelo preenchimento dos
requisitos legais verificados na ação e reconhecidos na decisão” [3].
Assim, preenchidos os requisitos legal
previamente à abertura da sucessão, o bem não irá entrar na universalidade
herdada, razão pela qual é possível o ingresso de ação de usucapião.
O Superior Tribunal de Justiça, bem como
os demais Tribunais pátrios, têm entendido pela possibilidade:
Ementa:
USUCAPIÃO. CONDOMINIO. PODE O CONDOMINO USUCAPIR, DESDE QUE EXERÇA POSSE
PROPRIA SOBRE O IMOVEL, POSSE EXCLUSIVA. CASO, PORÉM, EM QUE O CONDOMINO
EXERCIA A POSSE EM NOME DOS DEMAIS CONDOMINOS. IMPROCEDENCIA DA AÇÃO (COD.
CIVIL, ARTS. 487 E 640).
2.
ESPÉCIE EM QUE NÃO SE APLICA O ART. 1.772, PARAGRAFO 2. DO COD. CIVIL.
3.
RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ. REsp 10.978/RJ, Rel. Ministro NILSON
NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/1993, DJ 09/08/1993, p. 15228)
Ementa:
CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que
perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com
exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada
a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do
condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé
(suppressio). Recurso conhecido e provido. (STJ. REsp 214.680/SP, Rel. Ministro
RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/1999, DJ 16/11/1999, p.
214)
Ementa:
CIVIL. USUCAPIÃO DECLARADA EM FAVOR DE CONDÔMINO. REFLEXOS NA AÇÃO ORDINÁRIA
PROPOSTA POR OUTRO CONDÔMINO CONTRA TERCEIRO EM RAZÃO DA MESMA ÁREA. O
usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta
medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva; já não
subsistindo o condomínio, cessa a incidência do artigo 623 do Código Civil.
Recurso especial não conhecido. (STJ. REsp 101.009/SP, Rel. Ministro ARI
PARGENDLER, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/1998, DJ 16/11/1998, p. 40).
Ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. SÚMULA
7/STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS SUAS RAZÕES E FUNDAMENTOS.
AGRAVO IMPROVIDO.
I
- Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino
usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel. Precedentes.
II
- Não houve qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que
está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a
decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. (STJ. AgRg
no Ag 731.971/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/09/2008, DJe 20/10/2008)
Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. POSSE DECORRENTE DE SUCESSÃO. CONDIÇÕES.
REQUISITOS PRESENTES. Comprovando o condômino que tinha a posse exclusiva de
parte do imóvel, com os requisitos aptos a configurar a prescrição aquisitiva,
pelo prazo suficiente, com ânimo de dono e sem a oposição de quem quer que
seja, em área localizada e identificada, faz jus à declaração do usucapião em
seu favor. (TJMG. 18ª Câmara Cível. Apelação nº 1.0604.06.000333-1/001. Rel.
Des. Unias Silva, DJ: 22/02/08).
Conclui-se, portanto, que é possível
haver ação de usucapião posteriormente à abertura de sucessão hereditária.
[1] TARTUCE. Flávio. Manual de
Direito Civil: volume único. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 1271.
[2] NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa
Maria de Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação
extravagante. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014, p. 1461.
[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção.
Manual de direito processual civil. 6. Ed. rev., atual., e ampl. Rio de
Janeiro: Forense; São Pualo: Método, 2014, p. 1571.