"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim".
Crítica da razão prática, Kant.

Saturday 27 September 2014

ENTRE O ANTROPOCENTRISMO E O BIOCENTRISMO: conceitos basilares e a situação no Brasil

O Direito Ambiental é fundado em duas principais correntes de pensamento ou teorias morais: o biocentrismo e o antropocentrismo.
A corrente biocêntrica leva à conclusão de que o meio ambiente e seus elementos possuem uma importância fundada em sua própria existência, e devem ser defendidos como seres e existências autônomas. É uma corrente ética que busca reconhecer um valor inerente a todo ser vivo [1], e não só ao ser humano, como na clássica lição kantiana [2].
Fundamenta-se na chamada “ecologia profunda” (deep ecology) [3], e traz a defesa de que os seres vivos como um todo merecem ser protegidos independentemente desse fato trazer benefícios ao homem [4], rechaçando os ideais ecológicos utilitaristas. Conclui que o ser humano é apenas mais uma parte de uma natureza infinita e complexa.
A corrente antropocêntrica (do grego ἄνθρωποςánthrōpos: "ser humano"; e κέντρονkéntron: “centro”), por sua vez, acredita que é o homem o ser mais importante da natureza, e deverá cuidar dos demais seres apenas quando lhe for útil [5]. O próprio Kant asseverou que o tratamento cruel de animais seria ruim apenas porque motivaria o individuo a tratar de forma similar um ser humano [6].
Ao tratar o meio ambiente equilibrado como um direito humano fundamental (art. 225), elegeu a Constituição da República Federativa do Brasil a corrente antropocêntrica [7].
Contudo, o Direito Ambiental contemporâneo é incompatível com o pensamento puramente antropocêntrico, motivo pelo qual utiliza-se do chamado “antropocentrismo alargado” (enlightened ou prudential anthropocentrism).  Brennan, Andrew and Lo, Yeuk-Sze explicam o fenômeno [8]:
It should be noted, however, that some theorists working in the field see no need to develop new, non-anthropocentric theories. Instead, they advocate what may be called enlightenedanthropocentrism (or, perhaps more appropriately called, prudential anthropocentrism). Briefly, this is the view that all the moral duties we have towards the environment are derived from our direct duties to its human inhabitants. (grifos nossos).

Neste sentido, tal corrente tertia advoga que o homem possui deveres morais para com a natureza, mas que esses deveres decorrem dos deveres morais para com os humanos que a habitam, de forma que “a despeito de reconhecer o ser humano como centro do ordenamento jurídico, não deixa de levar em consideração a sua interdependência da natureza” [9].
Esta parece ser também a corrente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, claramente visível quando a Corte apreciou a constitucionalidade de lei que regulava as chamadas “rinhas de galos”:
Por entender caracterizada ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF, que veda práticas que submetam os animais a crueldade, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei fluminense 2.895/98. A norma impugnada autoriza a criação e a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes (fauna não silvestre). Rejeitaram-se as preliminares de inépcia da petição inicial e de necessidade de se refutar, artigo por artigo, o diploma legislativo invocado. Aduziu-se que o requerente questionara a validade constitucional da integridade da norma adversada, citara o parâmetro por ela alegadamente transgredido, estabelecera a situação de antagonismo entre a lei e a Constituição, bem como expusera as razões que fundamentariam sua pretensão. Ademais, destacou-se que a impugnação dirigir-se-ia a todo o complexo normativo com que disciplinadas as "rinhas de galo" naquela unidade federativa, qualificando-as como competições. Assim, despicienda a indicação de cada um dos seus vários artigos. No mérito, enfatizou-se que o constituinte objetivara assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduziria conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral. Salientou-se, de um lado, a íntima conexão entre o dever ético-jurídico de preservação da fauna e o de não-incidência em práticas de crueldade e, de outro, a subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado (direito de terceira geração). Assinalou-se que a proteção conferida aos animais pela parte final do art. 225, § 1º, VII, da CF teria, na Lei 9.605/98 (art. 32), o seu preceito incriminador, o qual pune, a título de crime ambiental, a inflição de maus-tratos contra animais. Frisou-se que tanto os animais silvestres, quanto os domésticos ou domesticados - aqui incluídos os galos utilizados em rinhas - estariam ao abrigo constitucional. Por fim, rejeitou-se o argumento de que a "briga de galos" qualificar-se-ia como atividade desportiva, prática cultural ou expressão folclórica, em tentativa de fraude à aplicação da regra constitucional de proteção à fauna. Os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli assentaram apenas a inconstitucionalidade formal da norma. Precedentes citados: RE 153531/SC (DJU de 13.3.98); ADI 2514/SC (DJU de 3.8.2005); ADI 3776/RN (DJe de 29.6.2007). ADI 1856/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 26.5.2011. (ADI-1856). (Informativo Nº 628/STF. Brasília, 23 s 27 de maio de 2011).

Da mesma forma entendeu quanto à festividade intitulada “farra do boi”:
Ementa: COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi". (STF, RExt 153531, Segunda Turma, Rel. p/ ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 13/03/1998).

Tal corrente, portanto, parece ser a que prevalece do ambiente teórico contemporâneo. Não se olvide, contudo, de que a Constituição da República de 1988 adotou o clássico antropocentrismo.


[1] DERR, Patrick George; Edward M. McNamara (2003). Case studies in environmental ethics. Rowman & Littlefield. p. 21. ISBN 978-0-7425-3137-6.
[2] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
[3] ORTON, David. Left Biocentrism Primer. 1998-03-15. Disponível em: < http://home.ca.inter.net/~greenweb/lbprimer.htm>. Acessado em 28 de setembro de 2014.
[4] FARIAS, Talden. COUTINHO, Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Direito ambiental. 2ª Edição: revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 24.
[5] Brennan, Andrew and Lo, Yeuk-Sze, "Environmental Ethics", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <http://plato.stanford.edu/archives/fall2011/entries/ethics-environmental/>.
[6] Kant, Immanuel. “Duties to Animals and Spirits”, in Louis Infield trans., Lectures on Ethics, New York: Harper and Row, 1963.
[7] FARIAS, Talden. COUTINHO, Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Idem. Ibidem.
[8] Idem. Ibidem.
[9] FARIAS, Talden. COUTINHO, Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Idem, p. 25.

Tuesday 23 September 2014

ORÇAMENTO: GESTÃO E VINCULAÇÃO DE RECEITAS

O orçamento, a priori, afigura-se como o ato por meio do qual o legislador “prevê e autoriza” o Poder Executivo, “por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”, conforme o conceito de Aliomar Baleeiro [1].
Durante a Antiguidade, no Ocidente, o orçamento público confundia-se com aquele do soberano. Com o lento processo de erosão do regime absolutista e a queda do despotismo, o liberalismo político e filosófico começou a tomar lugar, exigindo cada vez mais um Estado que visasse tão somente ao bem comum. Consoante a doutrina de Regis Fernandes de Oliveira, os primeiros indícios do instituto na história ocidental se deram com a aclamada Magna Charta Libertatum (1215), bem como, posteriormente, pela Petition of Rights (1628), pela Bill of Rights (1689) e pelas revoluções francesa e americana, com seus ápices em 1789 e 1787, respectivamente.
No Brasil, foi a “Constituição dos Estados Unidos do Brasil” (1937) o documento que deu ao orçamento pátrio a feição formalmente próxima à atual.
Entretanto, nem o conceito e tampouco o conteúdo do orçamento restaram incólumes ao pós-positivismo.
O advento do constitucionalismo contemporâneo, após a Segunda Guerra Mundial, impôs que toda atuação estatal se voltasse, interna e externamente, para a defesa da dignidade humana, campanha inviável sem uma devida atuação financeira do Estado.
Neste sentido, afirma José Casalta Nabais que direito algum é dádiva divina, fruto da natureza ou autorrealizável, razão pela qual todo direito fundamental – mesmo aqueles de primeira geração – implica custos para sua concretização [2]. Exsurge neste ambiente uma dimensão financeira dos direitos fundamentais [3].
Assim, deixa o orçamento a antiga feição de peça meramente técnica ou contábil (projeção de despesas etc.) para assumir caráter político, voltado para a redução das desigualdades e efetivação dos direitos humanos, por meio de suas inevitáveis – mas agora dirigidas – repercussões econômicas e sociais, surgindo o chamado “orçamento programa” [4].
Pode ser observado pelos prismas financeiro, político e econômico.
O ângulo financeiro é aquele que se atém à técnica orçamentária, considerando unicamente seu caráter contábil.
Do ponto de vista político, vê-se que o orçamento concretiza o princípio da tripartição dos poderes, ao tempo em que é por este guiado. Não há independência real se não houver autonomia financeira. Simultaneamente, o próprio trâmite do orçamento põe em prática o sistema dos freios e contrapesos.
Adiante, do ângulo econômico se busca verificar o necessário equilíbrio entre receitas e despesas.
As chamadas leis orçamentárias, ou tipos de orçamento, são o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, todas de iniciativa do Poder Executivo.
O Plano Plurianual é norma com vigência de quatro anos que estabelece diretrizes acerca de despesas de capital e despesas de prestação continuada, e tem por uso servir de padrão para o planejamento das ações do governo, vinculando a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Apenas trata de despesas que tenham a finalidade de aumentar o patrimônio líquido da Administração ou cuja execução se estenda por mais de um exercício financeiro (contratos de obras etc.). É o mais abstrato dos tipos.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias deve trazer as prioridades para o exercício financeiro subsequente, inclusive as despesas de capital. Vincula a Lei Orçamentária Anual, e deve conter um Anexo de Riscos Fiscais, bem como seu projeto deve conter um Anexo de Metas Fiscais.
A Lei Orçamentária Anual, por sua vez, busca estabelecer, tecnicamente, as receitas e despesas para o exercício seguinte. É o mais concreto dos tipos. Subdivide-se nas chamadas “espécies de orçamento”: orçamento fiscal; orçamento de investimento; e orçamento da Seguridade Social. Deve ser compatível com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O instituto do orçamento é ainda guiado por alguns princípios, que, diversamente das regras sobre o tema, deverão ser aplicados pelos métodos do sopesamento [5] e ponderação [6] pelo intérprete.
O princípio do equilíbrio orçamentário exige a igualdade numérica entre as entradas e saídas, com o escopo de evitar eventual déficit ou superávit.
O princípio da universalidade impõe que todas as receitas e despesas constem da Lei Orçamentária anual em seus valores brutos (art. 6º da Lei nº 4.320/64), enquanto o princípio da unidade ordena que, por ente da Federação, haja um único orçamento, que deverá ser anual, por força do princípio da anualidade. Dentre os tipos de lei orçamentária, apenas o Plano Plurianual não obedece ao prazo de um ano, porquanto sua vigência perdurará por quatro exercícios financeiros.
O princípio da exclusividade, por sua vez, veda que haja, na Lei Orçamentária, Anual, dispositivo estranho à previsão de receita e fixação de despesa, ressalvando os casos de autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito.
Confirmando a transformação conceitual explicitada retro, exsurge o princípio da programação, pelo qual cabe ao orçamento transcender seu aspecto meramente técnico e buscar efetivar objetivos e metas da Constituição.
Elenca ainda a doutrina o princípio da não afetação, extraído do art. 167, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil. Este veda, como regra, que a receita de impostos seja vinculada a órgão, fundo ou despesa, inclusive por força do caráter uti universi do tributo. Tal norma, que, repise-se, aplica-se tão somente aos impostos, comporta determinadas exceções, previstas pela própria Constituição: repartição de receita tributária decorrente de impostos (arts. 158 e 159); recursos para ações e serviços públicos de saúde; manutenção e desenvolvimento do ensino; realização de atividades da Administração Tributária; e prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita.
Há embate doutrinário acerca da execução do orçamento, concernente ao seu enquadramento como atividade discricionária ou vinculada. Para viabilizar reflexão sobre o tema, impende analisar a teoria da repartição da funções do Estado.
Karl Loewenstein, constitucionalista alemão, traz que as funções do Estado podem ser subdivididas em decisão política fundamental (die politische Grundentscheidung); execução da decisão política fundamental (die Ausführung der politischen Grundentscheidung); e controle político (die politische Kontrolle).
Utilizando-se de tal classificação (die neue Dreiteilung des Staatsfunktionen), Loewenstein dá relevo ao fato de que cabe à Administração Pública (pela função administrativa) apenas executar a decisão política tomada pelo Poder Legislativo, in casu, o orçamento. Assim, para Regis Fernandes de Oliveira, a execução do orçamento deve ser atividade vinculada [7], concluindo o autor com o pensamento de Hely Lopes de Meirelles de que “executar é cumprir o determinado”.
Por outro lado, para Tathiane Piscitelli, o orçamento – leis orçamentárias – ostenta natureza autorizativa, e não impositiva [8].
Neste sentido foram editadas as Emendas Constitucionais nº 27, 42, 56 e 68, instituindo e prorrogando a vigência de normas que desvinculam de qualquer destinação a quantia de 20% (vinte por cento) da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a data prevista, bem como seus adicionais e acréscimos legais (art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), relativamente ao orçamento federal.
Por força da Emenda Constitucional nº 68/2011, contudo, o percentual de 20% é nulo para efeito de cálculo dos recursos destinados ao ensino pelo art. 212 da Constituição da República (dezoito por cento para a União).
Para parte da doutrina tais emendas estão corretas, porquanto concedem mais liberdade para que o Poder Executivo aja em meio à dinâmica dos fatos. Para outra parte, no entanto, afigura medida incabível e desafiadora as funções dos poderes, de maneira que caberia ao Executivo unicamente executar o que lhe foi determinado.



[1] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15ª ed. revista e atualizada por Dejalma de Campos, Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 411.
[2] NABAIS, José Casalta. Por um estado fiscal suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005, p. 38.
[3] SOUZA, Jorge Munhós de. A dimensão financeira dos direitos fundamentais. In Temas aprofundados do Ministério Público Federal. 2. Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2013, p. 103.
[4] SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: RT, 1973, p. 104.
[5] DWORKIN, Ronald. Taking Righs Seriously. 6. imp. Londres, Duckworth, 1991, p. 26. Idem, Is law a system of rules? In: The Philosophy of Law, ed. by R. M. Dworkin, Oxford, Oxford University Press, 1977, pág. 26.
[6] ÁVILA, Humberto. "NEOCONSTITUCIONALISMO": ENTRE A "CIÊNCIA DO DIREITO" E O "DIREITO DA CIÊNCIA". Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 de maio de 2014, p. 9.
[7] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. 4. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, ps. 380-381.
[8] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4. Ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014, ps. 58-59.

PRINCÍPIOS AMBIENTAIS E SUA REPERCUSSÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

INTRODUÇÃO: ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
O constitucionalismo contemporâneo[1] ou neoconstitucionalismo[2] trouxe consigo diversas mudanças essenciais para a teoria geral do direito, sobretudo no âmbito metodológico. É cediço que as discussões acerca da ontologia normativa e hermenêutica encontraram local minimamente unânime, em meio aos aclamados embates de positivitas contra não-positivistas [3].
Para Daniel Sarmento:[4]
No neoconstitucionalismo, a leitura clássica do princípio da separação de poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos. E ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiqüidade da sua influência na ordem jurídica, e o papel criativo da jurisprudência.
Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral.

Restou, por fim, reconhecida a normatividade dos princípios, colocados em mesmo patamar que as regras, variando destas qualitativamente: enquanto as normas são aplicadas segundo o critério do all or nothing (Alles-oder-Nichts), de forma que uma válida necessariamente excluirá a outra do ordenamento, os princípios são normas aplicadas com o critério do sopesamento[5], constituindo uma “espécie de normas jurídicas por meio das quais são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas” [6].
O Direito Ambiental, como área autônoma, é guiado por princípios específicos, além daqueles gerais da metodologia jurídica e do Direito Constitucional, Econômico etc.

1. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O princípio do desenvolvimento sustentável é norma prevista nas Leis nº 12.187/09 e 12.305/10, e decorre diretamente dos princípios constitucionais informadores da ordem econômica da “defesa do meio ambiente” e da “redução das desigualdades regionais e sociais” (art. 170 da Constituição da República Federativa do Brasil).
Preconiza que o desenvolvimento econômico não pode em hipótese alguma passar por cima de valores essenciais à dignidade humana, como o meio ambiente sadio. Conforme oportunamente observa Jorge Munhós de Souza, ao discorrer sobre a importância da corrente teórica liberalista:[7]
John Rawls afirmou que ‘cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode sobrepujá-la’. A idéia de Rawls era afirmar o raciocínio deontológico do liberalismo kantiano em oposição ao pensamento consequencialista do utilitarismo de Bentham, evitando conclusões que, por exemplo, pudessem justificar a escravidão para fins de maximização da utilidade geral da sociedade.

Neste sentido tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA PREVENÇÃO. POLUIÇÃO MEDIANTE LANÇAMENTO DE DEJETOS PROVENIENTES DE SUINOCULTURA DIRETAMENTE NO SOLO EM DESCONFORMIDADE COM LEIS AMBIENTAIS. ART. 54, § 2º, V, DA LEI N. 9.605/1998. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE LESIVA DE CAUSAR DANOS À SAÚDE HUMANA EVIDENCIADA. CRIME CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I. Os princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, previstos no art. 225, da Constituição da República, devem orientar a interpretação das leis, tanto no direito ambiental, no que tange à matéria administrativa, quanto no direito penal, porquanto o meio ambiente é um patrimônio para essa geração e para as futuras, bem como direito fundamental, ensejando a adoção de condutas cautelosas, que evitem ao máximo possível o risco de dano, ainda que potencial, ao meio ambiente.
II. A Lei n. 9.605/1998, ao dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dar outras providências, constitui um divisor de águas em matéria de repressão a ilícitos ambientais. Isto porque ela trouxe um outro viés, um outro padrão de punibilidade em matéria de crimes ambientais, trazendo a figura do crime de perigo.
III. O delito previsto na primeira parte do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, possui natureza formal, porquanto o risco, a potencialidade de dano à saúde humana, é suficiente para configurar a conduta delitiva, não se exigindo, portanto, resultado naturalístico. Precedente.
IV. A Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência tem conferido à parte inicial do artigo 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato.
V. Configurado o crime de poluição, consistente no lançamento de dejetos provenientes da criação de cerca de dois mil suínos em sistema de confinamento em 3 (três) pocilgas verticais, despejados a céu aberto, correndo por uma vala que os levava até às margens do Rio do Peixe, situado em área de preservação permanente, sendo a atividade notoriamente de alto potencial poluidor, desenvolvida sem o devido licenciamento ambiental, evidenciando a potencialidade do risco à saúde humana.
VI. Agravo regimental provido e recurso especial improvido, restabelecendo-se o acórdão recorrido. (AgRg no REsp 1418795/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 07/08/2014).


2. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
Quando a questão vem a ser de direito privado, temos como um dos princípios máximos o princípio da autonomia da vontade ou da autonomia privada. Todavia, mesmo tal princípio se rende à função social. Conforme Francisco Amaral:[8]
A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão 'autonomia da vontade' tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real.

Neste sentido, segundo os ensinamentos do civilista Flávio Tartuce [9], o novel termo 'princípio da autonomia privada' leva o direito privado, irretratavelmente, a um estado de observância da função social da vontade privada.
Nossa Constituição de 1988, fortemente influenciada pelos ideais neoconstitucionalistas de Ronald Dworkin, Robert Alexy e Gustav Zagrebelsky, trouxe em seu art. 5.º, XXII, o direito de propriedade, trazendo já no próximo inciso sua limitação: “a propriedade atenderá a sua função social”.
Em matéria ambiental, a Lei nº 11.428/06, ao regular o Bioma Mata Atlântica, foi a responsável por positivar tal princípio. Sua interpretação se dá no sentido de que a propriedade não poderá oferecer perigo ou causar danos ao meio ambiente, de forma que sua função social deverá ser observada também na perspectiva ambiental.
Assim entende o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÕES. AUSÊNCIA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ARESTO RECORRIDO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 126/STJ.
1. Todas as questões suscitadas pela parte foram apreciadas pelo acórdão recorrido que concluiu pela inexistência de autorização ambiental para a construção do restaurante em área de preservação permanente, bem como que seriam inócuas as alegações de que à época da construção do restaurante, há mais de 25 anos, já inexistia vegetação natural, o que não caracteriza a suposta contrariedade ao artigo 535 do CPC.
2. O aresto impugnado perfilha o mesmo entendimento desta Corte, o qual considera que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado e que as ações de pretensão de cessação de danos ambientais é imprescritível. Precedentes.
3.  O Tribunal a quo entendeu razoável a demolição do imóvel situado na Praia de Taquaras com base em dispositivos da Constituição da República - arts. 216, 225 e 170, incisos III e VI, bem assim após minuciosa ponderação dos princípios e postulados constitucionais abrangidos na lide - direito à moradia e ao meio ambiente, função social da propriedade e precaução. No entanto, não se constata a interposição do competente recurso extraordinário, impondo a incidência da Súmula 126/STJ.
4. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 1223092/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 04/02/2013).




3. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
O princípio da prevenção, em matéria ambiental, está expressamente previsto nas Lei nº 11.428/06 e 12.187/09.
É aplicada tomando-se por base determinado risco cientificamente certo, e vincula, sobretudo, a Administração Pública, enquanto gestora socioambiental. Neste sentido, no exercício de seu poder de polícia, deve a Administração impor restrições e condições para a exploração sadia do meio ambiente, com o fito de evitar riscos conhecidos.
Assim entendeu o Superior Tribunal de Justiça, ao deliberar sobre suspensão de liminar interposta por Município acerca de empreendimentos condominiais que surtiriam efeitos potencialmente danosos à saúde pública em razão de provável avanço imobiliário desordenado:
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE SUSPENSÃO. GRAVE LESÃO À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE SUSPENSÃO INDEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
II - Não se mostra viável na presente senda o exame do acerto ou desacerto de decisum, não podendo o incidente ser utilizado com o objetivo de discutir o próprio mérito da ação principal, in casu, a necessidade, ou não, de se observar a Lei de Parcelamento de Solo Urbano nos licenciamentos e aprovações dos condomínios que estão sendo implementados no Município de Concórdia.
III - Em relação à alegação de grave lesão à ordem econômica, depreende-se dos autos especial preocupação de que da forma como os empreendimentos condominiais estão sendo tratados pelas autoridades locais surjam efeitos potencialmente danosos à saúde pública em razão de provável avanço imobiliário desordenado.
IV - Entendo que os provimentos judiciais os quais se pretende a suspensão não tem o condão de gerar lesão à ordem pública do Município do Concórdia, já que ao Poder Judiciário incumbe fazer cessar qualquer ilegalidade que seja levada a seu conhecimento, ainda que tal medida possa frustrar, em algumas situações, o implemento de políticas públicas urbanas, no presente caso, a expansão imobiliária no município de Concórdia, considerada, pelas decisões ora ainda impugnadas, maléfica ao meio ambiente.
V - Assim, entendo prestigiado o interesse público da municipalidade já que as rr. decisões impugnadas apenas conferiram eficácia ao princípio ambiental da prevenção, haja vista o conhecimento notório de que o crescimento urbano desordenado pode comprometer os serviços essenciais tais como, água, esgoto e segurança. Agravo regimental desprovido. (AgRg na SLS 1.744/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/08/2013, DJe 26/08/2013).


4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
O princípio da precaução, por outra via, tem vez quando há não certeza, mas dúvida científica. Por não possuir plena certeza dos efeitos que se originarão de determinada conduta, deve a Administração, por meio de seu poder de polícia, proceder de forma cautelosa, evitando ações arriscadas [10].
Desta preocupação exsurge, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda outro princípio, o do in dubio pro natura:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.
7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012).


5. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL
O princípio da reparação integral do dano ambiental ordena que aquele que causou danos ambientais deva reparar integralmente o que for reparável, além de sofrer repreensão pecuniária coletiva a título de fluid recovery, de forma que se mostram plenamente cumuláveis diversas condenações simultâneas em um mesmo julgado, e. g., bem como obrigações de indenizar, de fazer e de não fazer. [11]
O Superior Tribunal de Justiça aplica tal princípio pacificamente, entendendo que o art. 3º da Lei n.° 7.347/85, que afirma que a ACP “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, deve ser lido cumulativamente, e não alternativamente, de maneira que as conjunções alternativas devem ser interpretadas como aditivas.
Neste sentido:
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA.  CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva.
3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado.
5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum debeatur. (REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013)



[1][1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. e. atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 79-80.
[2] BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 17 de maio de 2014. p. 2. ÁVILA, Humberto. "NEOCONSTITUCIONALISMO": ENTRE A "CIÊNCIA DO DIREITO" E O "DIREITO DA CIÊNCIA". Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 de maio de 2014.
[3] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Leituras complementares de direito constitucional – teoria da constituição. Marcelo Novelino (org.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, p. 4.
[4] SARMENTO, Daniel. Opera Citatum.
[5] DWORKIN, Ronald. Taking Righs Seriously. 6. imp. Londres, Duckworth, 1991, p. 26. Idem, Is law a system of rules? In: The Philosophy of Law, ed. by R. M. Dworkin, Oxford, Oxford University Press, 1977, pág. 26.
[6] ÁVILA, Humberto. Op. Cit., p. 9.
[7] SOUZA, Jorge Munhós de. A dimensão financeira dos direitos fundamentais. In Temas aprofundados do Ministério Público Federal. 2. Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2013. p. 103.
[8] AMARAL, Francisco. Direito civil. Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 347-348.
[9] TARTUCE. Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 536.
[10] AMADO, Frederico. Direito ambiental. 2ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 32.
[11] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.