"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim".
Crítica da razão prática, Kant.

Monday 21 April 2014

SOBRE OS EMBARGOS DE TERCEIRO: resumo em tópicos



1.     NATUREZA: procedimento especial sumário (NERY JR., p, 1189).

1.1. AÇÃO POSSESSÓRIA (ART. 1.047, I, CPC)
1.1.1.CONTRA ATO JUDICIAL
a) esbulho;
b) turbação.

OBS.: Pelo art. 1.046 do CPC, não caberiam embargos de terceiro em defesa da nua propriedade, mas ARAKEN DE ASSIS entende caber, por interpretação extensiva do art. 129 do Código de Processo Penal[1].

1.2. DEFESA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA (ART. 1.047, II, CPC)
1.2.1. CREDOR COM GARANTIA REAL (ART. 1.422, CC)
a) hipoteca;
b) penhor;
c) anticrese.

OBS.: Apreensão de bens no processo penal (art. 129, CPP).
OBS.2: Não são intervenção de terceiros, pois não transformam terceiro em parte (ASSIS, p. 1380).



2. PRESSUPOSTOS GERAIS E ESPECÍFICOS DOS EMBARGOS DE TERCEIRO

2.1. COMPETÊNCIA NOS EMBARGOS DE TERCEIRO
                       
2.1.1. PERANTE O JUÍZO QUE DETERMINOU A CONSTRIÇÃO (ART. 1.049, CPC)

2.1.2. AUTOS DISTINTOS
                                   a) suspensão parcial (alguns bens): autos em apartado;
                                   b) suspensão total (todos os bens): autos apensos. (ASSIS, p. 1381).

2.1.3. EXECUÇÃO POR CARTA
a) juízo depreca penhora livre: juízo deprecado (STJ. CC-24-SP);
b) juízo depreca penhora específica: juízo deprecante (STJ. CC-71-MT).

2.1.4. EMBARGOS DE TERCEIRO POR ENTE FEDERAL
a) Justiça Federal (STF. RE 88.688-SP);
b) não há conexão quando a competência é absoluta (STJ. CC 93.969-MG).

2.1.5. JUSTIÇA DO TRABALHO
a) competente para os embargos de terceiro resultantes de seus atos (STF. RE 126.681-RJ).

2.1.6. EXECUÇÃO FEDERAL NA JUSTIÇA ESTADUAL (ART. 15, LEI 5.010/66) [2]
a) competência da Justiça Estadual para julgar os embargos de terceiro resultantes de seus atos (STJ. CC 34.513-MG).

2.1.7. EM FASE DE RECURSO
a) competência do juízo a quo (ASSIS, p. 1383).

OBS.: “A incompetência absoluta não é causa de extinção do feito sem julgamento de mérito” (STJ. REsp 100.766-SP e art. 113, § 2.º, CPC).

2.2. LEGITIMIDADE NOS EMBARGOS DE TERCEIRO

2.2.1. LEGITIMIDADE ATIVA: TERCEIRO
a) senhor e possuidor, ou apenas possuidor (art. 1.046, §1.º, CPC);
b) cônjuge ou companheiro, pelos bens próprios ou da meação;
c) credor hipotecário, pignoratício ou anticrético;
d) sociedade, em penhora de cotas (STJ. REsp 67.059-PR);
e) terceiro hipotecante que não faça parte da relação processual (STJ. REsp 49.550-RO).

OBS.: Aquele que, mesmo parte no processo, tenha constritos bens intangíveis por conta do título de aquisição ou qualidade da posse, tem legitimidade ativaa (art. 1.046, § 2.º, CPC).
OBS. 2: “O assistente simples tem legitimidade para opor embargos de terceiro, dado que não é parte no processo, mas simples interveniente” (NERY JR., p. 1185).

2.2.1.1. TERCEIRO
a) não está no título executivo;
b) não se sujeita aos efeitos do título;
c) não integra a relação processual, ainda que ilegitimamente (ASSIS, p. 1384 e STJ. AgRg no REsp 708.818-PR).

2.2.1.2. POSSE
a) posse imediata ou direta;
b) posse mediata ou indireta.

OBS.: Quando simultâneas, tais formas de posse geram legitimidade concorrente.
OBS. 2: A nua propriedade não legitima aos embargos de terceiro, “restando-lhe as ações reivindicatória e negatória, conforme o caso” (ASSIS, p. 1385).
OBS. 3: Os embargos de terceiro por credor hipotecário, pignoratício e anticrético não defendem a posse, mas o direito de preferência contra os créditos de preferência inferior.

2.2.1.3. EMBARGOS DO COMPROMISSÁRIO (Súmula 84, STJ) [3]

2.2.1.4. EMBARGOS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO
a) em defesa de patrimônio reservado;
b) em defesa de sua meação.

OBS.: Na união estável, “salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se à relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”, (art. 1.725, CC). Portanto, o companheiro possui a mesma legitimidade para oferecer embargos de terceiro.
OBS. 2: Mesmo que intimado da penhora, o cônjuge possui legitimidade para opor embargos de terceiro (STJ. Súmula 134).
OBS. 3: O cônjuge/companheiro possui dupla legitimidade: para os embargos de terceiro e para embargos do devedor, quando pretender discutir o próprio débito exequendo (STJ. REsp 11.169-SP).

2.2.1.5. EMBARGOS DO HERDEIRO
a) caso haja afronta ao princípio da limitação da responsabilidade às forças herança.

OBS.: O herdeiro tem legitimidade passiva na execução, portanto, se parte, não poderá opor embargos de terceiro (STJ. REsp 220. 731-SP).
OBS. 2: Se parte, o herdeiro deverá alegar impenhorabilidade do imóvel herdade na própria execução (STJ. REsp 1.039.182-RJ).
OBS. 3: Herdeiro de sócio falecido não tem legitimidade para embargar a penhora de bens da sociedade, pois sua herança é das quotas sociais, e apenas após a dissolução (total ou parcial) da empresa (STJ. REsp 811.627-PB).


2.2.1.6. FUNGIBILIDADE DOS EMBARGOS
a) entre embargos de terceiro e embargos do devedor;
b) nomen iuris dado pelo embargante irrelevante;
c) exigência da observância da tempestividade (STJ. EREsp 98.484-ES).

2.2.2. LEGITIMIDADE PASSIVA
a) exequente;
b) se o bem for indicado pelo executado, este o exequente formarão litisconsórcio passivo.

2.2.3. PARTICIPAÇÃO DOS CÔNJUGES NOS EMBARGOS DE TERCEIRO (art. 10, § 1.º, I, CPC) [4]
a) embargante: litisconsórcio ativo facultativo;
OBS.: Ninguém pode depender de outrem para estar em juízo. (DIDIER JR., p. 356-362).
b) embargado: litisconsórcio passivo necessário.
OBS.: Caso de intervenção iussu iudicis, prevista no art. 47, parágrafo único, do CPC (DIDIER JR., p. 363).


3. PRAZO PARA OPOR EMBARGOS DE TERCEIRO

3.1. PROCESSO DE EXECUÇÃO
a) 5 (cinco) dias, a contar da ciência da constrição pelo possuidor (STJ. AgRg no Ag 807.569-SP);
b) antes, necessariamente, da assinatura da carta de arrematação.

OBS.: Findo o prazo ou assinada a carta, restará ao terceiro defender a posse por meio de ação de conhecimento.


3.2. PROCESSO DE CONHECIMENTO
a) desde eventual ameaça (NERY JR., p. 1189);
b) até o trânsito em julgado da sentença.

OBS.: Para DONIZETTI (p. 1340), quando se tratar de cumprimento de sentença fundado em obrigação de pagar quantia, os embargos de terceiro serão cabíveis mesmo após o trânsito em julgado da sentença, uma vez que o processo apenas será encerrado com a satisfação da obrigação.


4. OBJETO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO: ato judicial constritivo

4.1. PENHORA DE CRÉDITO
a) PONTES DE MIRANDA: cabíveis embargos de terceiro para desconstituir penhora de crédito, vez que não se trata de ação possessória;
b) ARAKEN DE ASSIS: não cabíveis os embargos de terceiro, pois não há posse sobre coisas incorpóreas.

OBS.: Não é cabível mandado de segurança onde couberem embargos de terceiro (STJ. RMS 10.096-BA).


5. VALOR DA CAUSA
a) valor do bem maior do que o débito exequendo: valor do débito;
b) valor do bem menor do que o débito exequendo: valor do bem (STJ. REsp 38.239-SP);
c) cônjuge/companheiro: metade do valor do bem, caso a metade seja inferior ao valor do débito (STJ. REsp 47.140-0-PE).




6. PROCEDIMENTO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO

6.1. INSTAURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

6.1.1. PETIÇÃO INICIAL
a) art. 282, CPC;
b) prova sumária da posse;
c) eventualmente, oferecerá rol de testemunhas, sob pena de preclusão do direito de produzir prova testemunhal (STJ. REsp 362.504-RS).

6.1.2. LIMINAR (TUTELA ANTECIPADA)
a) posse suficientemente demonstrada;
b) caução pessoal ou real (art. 1.051, CPC);
OBS.: dispensável pelo juiz (ASSIS, p. 1400).
c) depósito judicial do bem.
OBS.: incabível sequestro (STJ. REsp 475. 156-SC).

6.1.3. REJEIÇÃO LIMINAR DOS EMBARGOS
a) defeitos na inicial;
b) emenda em 10 (dez) dias (art. 284, CPC);
c) coisa julgada formal (art. 267, I, CPC).

6.1.4. CITAÇÃO DO EMBARGADO
a) com procurador constituído no processo principal: citação na pessoa do advogado, por publicação do despacho no órgão oficial (DONIZETTI, p. 1342);
b) sem procurador constituído no processo principal: citação pessoal (art. 1.050, §3.º, CPC).

6.1.5. EFEITOS DA PROPOSITURA DOS EMBARGOS
a) suspensão parcial do processo: se todos os bens constritos forem embargados;
b) suspensão total do processo: se parte dos bens constritos forem embargados;
c) demais efeitos do art. 219 do CPC, no caso de citação.

6.1.6. MÉRITO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO

6.1.6.1. EMBARGOS DO POSSUIDOR DIRETO (locatários etc.)
b) afere-se se os bens do devedor em poder de terceiros são passíveis de ato executivo (art. 592, CPC [5]).

6.1.6.2. EMBARGOS DO TITULAR DE DIREITO REAL DE GARANTIA (alegações do embargante)
a) ausência de intimação da penhora ou hasta (arts. 615 e 698, CPC);
b) existência de outros bens penhoráveis (ASSIS, p. 1405).

6.1.6.3. SUMARIEDADE DA COGNIÇÃO
a) limita-se ao reconhecimento da posse/direito;
b) direito material não é prejudicado pela falta de utilização ou pela improcedência dos embargos de terceiro (STJ. AgRg 88.561-AC).

6.1.7. REAÇÃO DO EMBARGADO

6.1.7.1. PRAZO: 10 (dez) dias, sob penal de revelia.

6.1.7.2. MEIOS DE REAÇÃO
a) contestação;
b) exceção.

OBS.: Todas as modalidades de intervenção de terceiros são cabíveis nos embargos de terceiro (ASSIS, p. 1407).
6.1.7.3. LIMITES DA CONTESTAÇÃO: incabível alegar fraude contra credores, se o negócio ainda não foi desconstituído em ação pauliana (STJ. Súmula 195).

OBS.: Cabível ao embargado alegar fraude à execução, vez que esta pode ser reconhecida incidentalmente (STJ. REsp 131.587-RJ).
OBS. 2: Cabe ao cônjuge o ônus de provar que a dívida contraída pelo outro não foi em benefício da família (STJ. EDiv 44.399-SP).

6.1.7.4. INDICAÇÃO DE PROVAS
a) documentais: na contestação;
b) testemunhais: até durante a instrução (ASSIS, p. 1409).

OBS.: Aquelas arroladas pelo embargante na inicial têm o fito único de influenciar eventual decisão liminar (ASSIS, p. 1409).

6.1.8. RITO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO: após o prazo da contestação, segue-se o rito do processo cautelar (art. 1.053, CPC).

6.1.9. SUCUMBÊNCIA NOS EMBARGOS DE TERCEIRO
a) teoria da causalidade;
b) embargado: na procedência, quando o bem houver sido indicado pelo exequente ou constrito em penhora livre pelo oficial de justiça;
OBS.: exceto quando o embargado reconhecer prontamente o direito do embargante (DONIZETTI, p. 1344).
c) embargante: na improcedência.
OBS.: ausência de assentamento no cartório de registro de imóveis: culpa do embargante, por não haver realizado o registro.

6.2. NATUREZA DA SENTENÇA NOS EMBARGOS
a) constitutiva negativa;
b) com produção de outros efeitos, inclusive ululante força mandamental (ASSIS, p. 1411-1412).



 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  
ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 16. Ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 16.ª Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 16. ed. rev., ampl. e atual. Especialmente de acordo com as Leis nºs. 12.424/2011 e 12.431/2011. São Paulo: Atlas, 2012.

NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.





[1] Art. 129. O seqüestro autuar-se-á em apartado e admitirá embargos de terceiro.
[2] Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar: I - os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas; II - as vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente fôr domiciliado na Comarca; III - os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária; IV - as ações de qualquer natureza, inclusive os processos acessórios e incidentes a elas relativos, propostas por sociedades de economia mista com participação majoritária federal contra pessoas domiciliadas na Comarca, ou que versem sôbre bens nela situados.
[3] STJ. Súmula nº 84. É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.
[4] Art. 10. § 1.º. Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: I - que versem sobre direitos reais imobiliários.
[5] Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: III - do devedor, quando em poder de terceiros.

Friday 11 April 2014

A VEDAÇÃO DA CRIAÇÃO DE TAXAS COM BASE DE CÁLCULOS E FATO GERADOR PRÓPRIOS DE IMPOSTOS

Breve análise do art. 145, §2º da Constituição Federal e art. 77, parágrafo único do Código Tributário Nacional.


Enquanto os tributos cobrados em forma de impostos remuneram serviços gerais prestados pelo Estado (uti universi), aqueles cobrados em forma de taxas existem para remunerar serviços específicos (uti singuli).
As taxas, por sua natureza, possuem quanto à base de cálculo forte ligação com o valor do serviço prestado, vez que entre o valor cobrado e o custo do serviço deve necessariamente haver proporção.
A mesma relação, contudo, não pode ser feita quanto aos impostos. Os impostos existem para custear serviços gerais, incertos, de forma que, após efetuar o pagamento do imposto, o contribuinte jamais saberá a destinação do valor. Os impostos custeiam, exempli gratia, a construção de rodovias, escolas, hospitais et cetera.
As taxas, diversamente, remuneram serviços específicos, como a prestação de atividade jurisdicional (custas judiciais) e a taxa de coleta de resíduos. Funcionam, assim, segundo a máxima “eu te vejo e tu me vês” [1].
Portanto, é vedada a criação de taxas que tenham base de cálculo própria de impostos (art. 145, §2º, CRFB), ou, em outras palavras: é vedada a criação de taxas que remunerem serviços gerais (uti universi), porquanto restaria inviável para o usuário a devida cobrança do serivço.



[1] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 7. Ed. São Paulo: Método, 2013. p. 28.