"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim".
Crítica da razão prática, Kant.

Thursday 25 April 2013

Sobre a competência legislativa plena dos Estados e DF no âmbito da competência concorrente

É realmente plena a competência, não apenas pela letra da lei. A competência plena terá sempre que respeitar os parâmetros constitucionais, inclusive quando a União legislar.
Competência plena quer dizer que quando não há qualquer lei federal dando parâmetros, o Estado poderá suprir essa ausência com lei própria, que, debaixo dos limites constitucionais, poderá livremente inovar.

Traz o art. 24:
"§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades".

E então vem o § 4º.:

"§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário".

O que ocorre é que a lei estadual anterior à federal, no âmbito da competência concorrente, irá ser tacitamente derrogada naquilo que contradisser a Lei geral.

Por fim, o Distrito Federal acaba entrando por tabela, quando em seu art. 32 a Constituição ordena que:

"§ 1º – Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios".

A tal competência cumulativa do Distrito Federal, no meio de tantas outras exceções constitucionais sobre este ente.





(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

Sunday 21 April 2013

Sobre o porte de arma de fogo inapta

"Arma de fogo inapta a efetuar disparos também não será considerada arma para efeito dos crimes previstos na nova lei, equiparando-se às armas obsoletas dada a inexistência de potencialidade ofensiva. O problema não é o da inexistência de perigo concreto, exigência que a lei não fez, mas o da impossibilidade de conceituar o objeto como arma de fogo. Relembrando a definição do Tentente-Coronel Almeida Júnior, arma ineficaz para detonar projéteis não é arma, porque somente é considerado arma de fogo o engenho mecânico que cumpre a função de lançar projéteis a distância com grande velocidade".

(CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial, volume 4. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 379).

Saturday 20 April 2013

Sobre as penas e a dignidade humana



A pena por um delito cometido contra a dignidade humana acaba por dar a esta um determinado preço, de forma que resta ao potencial homicida ponderar se tal preço vale a pena que lhe será imputada ou não.

É cotidiano ocorrer a situação de determinado indivíduo cometer homicídio e logo após entregar-se sem relutância às autoridades. Como bem colocado por Hungria:

“Mais uma polegada, e o crime seria uma espécie de contrato por adesão: o delinqüente aceita a ‘obrigação de sofrer a pena’ para ter o ‘direito’ à ação criminosa”.

Vemos, dessa forma, que houve ponderação entre valores, na medida em que o agente do crime ponderou que a supressão da vida alheia valeria a pena que este teria que cumprir posteriormente.

Segundo o filósofo prussiano Immanuel Kant, ao traçar as bases do princípio da dignidade da pessoa humana:

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 1785)

Nesse sentido, verificamos haver certo preço colocado à vida humana, como se a pena pelo crime que levou à morte fosse equivalente à vida da vítima. Sendo assim, vê-se que é imprescindível que ocorra não a punição, mas a prevenção e proteção extrema da vida humana e dos direitos fundamentais, visto que estas não podem ter um preço.




(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

SOBRE O ABORTO HUMANITÁRIO E A MULHER COMO AGENTE NO CRIME DE ESTUPRO


O aborto humanitário, ético ou piedoso é o nome dado ao aborto licitamente provocado por médico em mulher que tenha sido vítima de estupro, após o consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal. Na situação, haverá a excludente de punibilidade prevista no Art. 128, inciso II do Código Penal.

Neste sentido, temos em pauta uma situação diversa da habitual, mas igualmente possível, na qual uma mulher violentaria sexualmente um indivíduo do sexo masculino, e resultaria por desenvolver uma gravidez. Sendo assim, resta a dúvida acerca da possibilidade de se aplicar o inciso II do Art. 128 do Código Penal ao caso, dando ao médico permissão para provocar aborto em gestante que tenha provocado, através de conduta criminosa, sua própria gravidez.

O aborto humanitário é uma figura criada para a proteção da integridade psicofísica da mulher, valor esse corolário da dignidade humana (MORAES, 2003).

No século XIX, o filósofo prussiano Immanuel Kant, ao tecer as conceituações fundamentais para o reconhecimento da dignidade humana, tratou, inicialmente de três ideias opostas e discriminatórias para sua compreensão.

A primeira ideia seria a do motivo, relacionada diretamente à moralidade. O motivo para uma ação poderá ser, segundo o pensamento kantiano, uma inclinação pessoal ou o dever por si mesmo. A inclinação pessoal estará presente quando fizermos escolhas com o objetivo de satisfazer um desejo ou preferência pessoal. Neste sentido, deveremos agir utilizando nossa capacidade de, ao menos, procurar se colocar acima dos interesses pessoais, e agir pelo que é racionalmente correto.

A segunda ideia seria a da determinação da vontade, associada à liberdade, ou seja, espontaneidade e voluntariedade da ação. A partir deste pensamento, a determinação de um indivíduo diante de sua própria conduta poderia ser autônoma (espontânea e voluntária) ou heterônoma, ou seja, imposta por terceiros. Neste último caso não haveria liberdade. Dessa forma, o indivíduo deverá agir segundo o dever por si mesmo, conforme o que é racionalmente correto, porém espontaneamente, de forma que assim é determinada a liberdade, na capacidade de determinar autonomamente a própria vontade.

Neste sentido, a determinação da vontade deverá partir da razão individual, sendo esta a única maneira de se agir independentemente de vontades alheias. A razão, por sua vez, é determinada a partir de um imperativo, que seria a terceira ideia da sequência. Os imperativos comandam a razão hipoteticamente ou categoricamente. Hipoteticamente quando a ação será boa apenas como meio de conseguir algo mais, e categoricamente quando boa em si mesma.

Logo, temos como correto agir sob o motivo do dever por si próprio, de forma autônoma, o que nos guia a determinar nossa razão categoricamente, e não para o bem de outras ações.

Dessa forma, para a determinação categórica de nossa razão, ou seja, para que o imperativo de nossa razão seja categórico, Kant elaborou algumas fórmulas que servirão como ferramentas para identificar o imperativo de nossa ação, fórmulas estas que traduzem o conceito do imperativo categórico.

A primeira seria a fórmula através da qual se imaginaria aquele imperativo, ou seja, aquele princípio para determinação da vontade como lei universal. Assevera em sua obra “Crítica à Razão Prática” (1788):

"Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se simultaneamente, por tua vontade, lei universal da natureza". (KANT, 1788.)


Mormente tal fórmula, deverá o ser racional agir fazendo, anteriormente, a análise da possibilidade de universalização daquela conduta. Ou seja, observar se a ação será certa ou errada a partir de seu extremo, extremo esse no qual aquela ação fosse corriqueira. Desse modo, porém, não se estaria refletindo sobre as consequências da ação, mas apenas avaliando sua retidão através de uma perspectiva mais extrema, e, por conseguinte, mais fácil de se visualizar.

Foi, portanto, necessário explicar a teoria para chegar à última e mais relevante fórmula: a fórmula da humanidade, publicada na sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785), a qual ficou exposta através da seguinte passagem:


"Supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática". (KANT, 1785).


Nesse sentido, chega à conclusão de que o homem, como ser racional, existe como um “fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade”, de forma que não deverá nunca ser considerado um mero meio para satisfação de outra vontade, mas sempre deverá ser tratado também como um fim.

Logo, Kant elabora um conceito que seria o carro-chefe da luta pelos direitos humanos, concluindo, ainda na mesma obra, que:

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 1785)


Desse modo, podemos concluir que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que um ser humano é tratado não como ser humano, mas como objeto, ocorrendo assim a coisificação do ser humano. A coisificação está presente quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria vontade, para cumprir seus propósitos individuais.

Outrossim, traz Nucci (2012) que:

"Em nome da dignidade da pessoa humana, no caso a da mulher que foi violentada, o direito permite que pereça a vida do feto ou embrião. São os dois valores fundamentais, mas é mais indicado preservar aquele já existente". (NUCCI, 2012).


Neste sentido, uma mulher que violenta sexualmente um indivíduo do sexo masculino não tem, em momento algum, sua dignidade violada, não havendo, dessa forma, que se falar quanto a sopesamento entre sua dignidade e a vida do feto.

Outrossim, é o aborto humanitário decorrente de uma situação na qual a vontade da vítima foi suprimida, ou seja, conforme a teoria kantiana, a vontade foi heterônoma, de forma que a vítima não concorreu em qualquer forma de culpa, lato ou stricto sensu, para sua gravidez, para a gênese da referida vida, não podendo o direito obrigá-la ou constrangê-la a levar a gestação adiante.

De forma contrária, ao constranger homem a realizar consigo conjunção carnal, a mulher concorre em culpa ou dolo para sua própria gravidez, não podendo, portanto, extinguir uma vida que por sua culpa ou dolo se originou.

Em consonância com o disposto, conforme o princípio geral do direito do “nemo turpitudinem suam allegare potest”, afirmou o Superior Tribunal de Justiça que:

"Gize-se que a paciente não desconhecia a instauração da ação penal, tanto que constituiu advogado tão logo decretada sua prisão, daí ser pertinente destacar que a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza[...]". (HC 172.970-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 2/6/2011. 6ª Turma).


Desta forma, vê-se a impossibilidade da mulher que pratica crime de estupro se beneficiar da excludente presente no artigo 128, inciso II do Código Penal, uma vez que sua dignidade não foi, de forma alguma, violada, não havendo absolutamente nada que se contraponha à vida do feto.


Referências:

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2003.
KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Munique: Beck`sche Reihe, 2012.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.



(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

Sobre o dever de cuidar do próximo


A forma mais fácil de garantir a própria vida é garantindo a existência de um sistema geral que a proteja. A única forma de haver um sistema geral de proteção para si é havendo um consenso com os demais indivíduos, de forma que deverá haver, também para estes, a proteção de direitos.

Nesse sentido, um homicídio, por exemplo, é um ataque a todo o sistema, um ataque à garantia de vida dada a todos e a cada um, uma vez que desestabiliza o equilibro e a seguridade anteriormente existente.

Dessa forma, a ética individual e interna acaba por se ligar à ética social (externa), no momento em que, para nosso próprio bem, procuramos o bem dos outros. Sendo assim, é necessário que façamos aos outros apenas o que não somos contrários que seja feito conosco, de forma a garantir um sistema no qual nós mesmos seremos os beneficiados, ao invés de um sistema no qual o mais forte dite a própria vontade, ou o faz até que outro mais forte tome o domínio.



(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

Wednesday 10 April 2013

DIGNIDADE HUMANA, O QUE É

No século XIX, o filósofo prussiano Immanuel Kant, para embasamento de suas teorias, tratou, inicialmente de três ideias opostas e discriminatórias para a compreensão do princípio da moralidade.

A primeira ideia seria a do motivo, relacionada diretamente à moralidade. O motivo para uma ação poderá ser, segundo o pensamento kantiano, uma inclinação pessoal ou o dever em si. A inclinação pessoal estará presente quando fizermos escolhas com o objetivo de satisfazer um desejo ou preferência pessoal. Neste sentido, deveremos agir utilizando nossa capacidade de, ao menos, procurar se colocar acima dos interesses pessoais, e agir pelo que é racionalmente correto. Tal teoria remonta a noção platônica acerca das almas racional, irascível e concupiscente, na qual deverá, pelo bem do indivíduo e para uma conduta ética, preponderar a alma racional.

A segunda ideia seria a da determinação da vontade, associada à liberdade, ou seja, espontaneidade e voluntariedade da ação. A partir deste pensamento, a determinação de um indivíduo diante de sua própria conduta poderia ser autônoma (espontânea e voluntária) ou heterônoma, ou seja, imposta por terceiros. Neste último caso não haveria liberdade. Dessa forma, o indivíduo deverá agir segundo o dever por si mesmo, conforme o que é racionalmente correto, porém espontaneamente, de forma que assim é determinada a liberdade, na capacidade de determinar autonomamente a própria vontade.

Neste sentido, a determinação da vontade deverá partir da razão individual, sendo esta a única maneira de se agir independentemente de vontades alheias. A razão, por sua vez, é determinada a partir de um imperativo, que seria a terceira ideia da sequência. Os imperativos comandam a razão hipoteticamente ou categoricamente. Hipoteticamente quando a ação será boa apenas como meio de conseguir algo mais, e categoricamente quando boa em si mesma.

Logo, temos como correto agir sob o motivo do dever por si próprio, de forma autônoma, o que nos guia a determinar nossa razão categoricamente, e não para o bem de outras ações.

Dessa forma, para a determinação categórica de nossa razão, ou seja, para que o imperativo de nossa razão seja categórico, Kant elaborou algumas fórmulas que servirão como ferramentas para identificar o imperativo de nossa ação, fórmulas estas que traduzem o conceito do imperativo categórico.

A primeira seria a fórmula através da qual se imaginaria aquele imperativo, ou seja, aquele princípio para determinação da vontade como lei universal. Assevera em sua obra “Crítica à Razão Prática” (1788):

"Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se simultaneamente, por tua vontade, lei universal da natureza". (KANT, 1788.)


Mormente tal fórmula, deverá o ser racional agir fazendo, anteriormente, a análise da possibilidade de universalização daquela conduta. Ou seja, observar se a ação será certa ou errada a partir de seu extremo, extremo esse no qual aquela ação fosse corriqueira. Desse modo, porém, não se estaria refletindo sobre as consequências da ação, mas apenas avaliando sua retidão através de uma perspectiva mais extrema, e, por conseguinte, mais fácil de se visualizar.

Um outra forma é a conhecida como fórmula da humanidade, publicada na sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785), a qual ficou exposta através da seguinte passagem:

"Supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática". (KANT, 1785.)


Nesse sentido, chega à conclusão de que o homem, como ser racional, existe como um “fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade”, de forma que não deverá nunca ser considerado um mero meio para satisfação de outra vontade, mas sempre deverá ser tratado também como um fim.

Logo, Kant elabora um conceito que seria o carro chefe da luta pelos direitos humanos, concluindo, ainda na mesma obra, que:

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 1785)


Desse modo, podemos concluir que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que um ser humano é tratado não como ser humano, mas como objeto, ocorrendo assim a coisificação do ser humano. A coisificação está presente quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria vontade, para cumprir seus propósitos individuais. Ou seja, o ser humano existe para os próprios fins, e nunca para servir como instrumento para fins alheios, pois, segundo o filósofo:

“Todos os seres racionais estão, pois, submetidos a essa lei que ordena que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”. (KANT, 1786)


Nasceu, portanto, o princípio central de toda teoria neoconstitucionalista, e que consta como princípio geral de nossa Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade humana. Tal princípio, conforme a doutrina contemporânea, poderá ainda se subdividir em quatro subprincípios: liberdade, solidariedade, integridade psicofísica e igualdade (MORAES, 2003), subdivisões estas menos abstratas e que poderão servir como meio para a concretude do principal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Munique: Beck`sche Reihe, 2012.
KANT, Immanuel. Critique of pratical reason. (Edited by Mary Gregor). Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
FOOT, Philippa. Morality as a System of Hypothetical Imperatives. The Philosophical Review, Vol. 81, No. 3,1972. pp. 305-316.
SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. 6ª Edição, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2003.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. Ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2010.



(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

Tuesday 9 April 2013

Patrimonialismo público

"A Constituição de 1988 tratou com grande detalhamento do direito administrativo, decerto no intuito de corrigir ou atenuar as inúmeras distorções existentes em todas as administrações públicas do Brasil, decorrentes de séculos de patrimonialismo, infelizmente até hoje existente, característico de governantes que tratam a coisa pública como se estivessem cuidando dos interesses privados seus e de sua camarilha".

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 20. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2012. p. 259.

Monday 8 April 2013

Do poder familiar e a dignidade humana


Neste trabalho, tem-se por escopo analisar o instituto jurídico do poder familiar através do prisma da dignidade humana, bem como suas mudanças ao decorrer do tempo devido a esta, utilizando-se, para isso, o método dialético. Conclui-se que determinadas práticas erroneamente fundadas no poder familiar são abusivas face à dignidade humana, mas também que muitas já foram banidas com o advento do neoconstitucionalismo.


1 DA DIGNIDADE HUMANA

No século XIX, filósofo prussiano Immanuel Kant, ao observar o desencadear do movimento moderno, elabora a fórmula para um princípio que seria o carro chefe da luta pelos direitos humanos, em sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785). Afirmou:

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 1785)

Dessa forma, podemos concluir que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que um ser humano é tratado não como ser humano, mas como objeto, ocorrendo assim a coisificação do ser humano. A coisificação está presente quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria vontade, para cumprir seus propósitos individuais. Ou seja, o ser humano existe para os próprios fins, e nunca para servir como instrumento para fins alheios, pois, segundo o filósofo:

“Todos os seres racionais estão, pois, submetidos a essa lei que ordena que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”. (KANT, 1786)

Tal princípio, segundo a doutrina contemporânea, poderá ainda se subdividir em quatro subprincípios: liberdade, solidariedade, integridade psicofísica e igualdade (MORAES, 2003), subdivisões estas menos abstratas e que poderão servir como meio para a concretude do principal.

2 DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

O instituto jurídico do poder familiar pode ser observado de longas datas, pois já em Roma havia a chamada patria potestas, que tutelava o direito paterno de chefiar a família. Ainda, vê-se sua presença em outros países, uma vez que podemos também verificá-la na legislação civil francesa, quando, no Código Civil do país, em seu Título IX, “Da Autoridade Parental” (De l’autorité parentale), afirma que “o menor, de qualquer idade, deve honrar e respeitar seu pai e sua mãe” (VENOSA, 2004).
Devido ao modelo familiar patriarcal, o poder familiar, antigamente tido por pátrio poder, se delimitava às mãos da figura paterna, como bem delimitava o Código Civil de 1916, quando em seu artigo 380, dava à mulher a singela posição de colaboradora, trazendo ainda, em seu parágrafo único, o imperativo de que a decisão paterna deveria sempre prevalecer em casos de inconsonância.
Ainda, dada a estruturação então vigente do instituto, deu-se como subterfúgio para a “coisificação familiar”, ocorrendo no momento em que pais submetem a vontade dos filhos às suas próprias vontades, não pela existência do filho ou por motivo plausível, mas unicamente por satisfação própria, por sua própria vontade, tal como um pai ou mãe que utiliza da vulnerabilidade psicofísica de seu descendente para satisfação pessoal, ou para que o filho cumpra, com sua existência, não os desejos e aspirações próprios, mas os que os pais intencionaram que ele tenha, não dando ao filho qualquer opção de discordância ou via escapatória.


CONCLUSÃO

Com o advento da Constituição Federal do ano de 1988, porém, muito foi mudado a respeito da responsabilidade parental. O movimento neoconstitucionalista, pós-segunda guerra mundial, trouxe a dignidade da pessoa humana como centro do texto constitucional, e como o mais abstrato e amplo dentre os direitos fundamentais e alicerces principiológicos do direito. Dessa forma, o que era antes conhecido por “pátrio poder” passou a chamar-se “poder familiar”, de forma a explicitar que este estaria nas mãos de ambas as figuras parentais, indistintamente, além de mostrar deveres tanto por parte dos pais quanto dos filhos, tornando a família, legalmente, uma relação de afeto e um instrumento mútuo para a liberdade dos indivíduos, evitando os abusos livremente infringidos anteriormente.
Observava-se o abuso do então pátrio poder com a exteriorização de ordens infundadas e injustificáveis pelos pais, que na maioria dos casos prejudicaria fatalmente a existência da prole, pelo simples fato de não deixá-los ter ciência e refletir sobre o que se passava. A simples subordinação da vontade, ou a ordem cumprida unicamente por ser ordem, servindo como uma espécie de cabresto para alternativas e planos, já feria a dignidade dos filhos, pois, como visto, todos os seres humanos nascem com dignidade pelo fato de possuírem igualmente a vontade, ou razão prática, e devem todos existir como um fim em si mesmos. Desta forma, segundo Hironaka (2005):

"A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, na compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar". (HIRONAKA, 2005)

E observa-se, ainda, através da visão contemporânea, a impossibilidade dos tradicionais castigos corporais, sendo estes uma forma de humilhação e submissão psicofísica, de forma que atuam por meio de repressão, via contrária à liberdade, de forma que somos levados também à conclusão de que um castigo corporal, como feito durante o período da famosa Santa Inquisição pela Igreja Católica, é uma violação à dignidade da pessoa humana, e ser humano algum detém a prerrogativa de violar a dignidade de outrem na modalidade da integridade psicofísica, como apontado por Moraes (2003).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2003.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. Ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 1999.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação paterno-filial. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br>. Artigos de convidados. Acesso em 10 de junho de 2005.



(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)

Immanuel Kant e a fórmula da Humanidade

"(...) Supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática.

Agora eu afirmo: o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim".

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.

Prefeito municipal - competência de juízo quanto a verbas federais

"O inciso X do art. 29 da Constituição Federal inovou a competência para o processo e julgamento das infrações penais cometidas por prefeitos municipais, concedendo-lhes foro privilegiado, ao dispor que somente serão julgados pelo Tribunal de Justiça respectivo, seja pelo Plenário ou por órgão fracionário competente [órgão representativo do pleno].

No entanto, o legislador constituinte não foi claro quanto à fixação dessa competência, ao não se referir, expressamente, ao tipo de infração penal cometida (comum, eleitoral, dolosa contra  a vida e federal), cabendo à Jurisprudência essa definição.

Assim, as atribuições jurisdicionais originárias do Tribunal de Justiça, constitucionalmente definido como juízo natural dos prefeitos municipais, restringem=se, no que concerne aos processos penais, unicamente à hipóteses pertinentes aos delitos sujeitos à competência da Justiça local, havendo competência, nos crimes praticados contra bens, serviços ou interesse da União, de suas autarquias ou de empresas públicas federais, do Tribunal Regional Federal.

A competência da Justiça Federal, porém, mesmo nestes casos, é afastada quando houver processo e julgamento de prefeito Municipal por desvio de verbas recebidas em virtude de convênio firmado com a União Federal, a teor da Súmula 133 do extinto Tribunal Federal de Recursos.

Nessas hipóteses, não compete ao Tribunal Regional Federal o processo e julgamento originário de ação penal contra prefeito municipal por má aplicação de verbas federais erpassadas ao patrimônio da municipalidade, pois seu desvio ou emprego irregular é crime contra o Município, em cujo patrimônio as verbas já se haviam incorporado e, portanto, a competência é do próprio Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça editou duas súmulas sobre o assunto. A Súmula 209, que estabelece que "compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal" e a Súmula 208, que prescreve que "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal"".

(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. pp. 301-302.)

Sunday 7 April 2013

Retroatividade da lei penal e vacatio legis


"Sob a ótica axiológica, os valores ligados à dignidade da pessoa humana devem prevalecer sobre os aspectos formais do sistema legislativo, voltados, primordialmente, a conferir segurança à sociedade".

(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 112.)

Wednesday 3 April 2013

Estado de Direito e Estado de Legalidade


"Desse modo, com inspiração em Carré de Malberg, pode-se e deve-se distinguir o Estado de direito do Estado de legalidade. O que ele chamou de Estado "legal" hoje se pode chamar de Estado de legalidade: degeneração do Estado de direito, que põe em risco a justa atuação da lei na enunciação e concreção dos valores sociais como direitos individuais, coletivos, difusos. No mero Estado de Legalidade, a lei é editada e aplicada sem levar em conta o resultado, ou seja, sem considerar se daí resulta uma injusta opressão dos direitos. Impera o legalismo, que é a forma mais sutil de autoritarismo, na qual o espírito autoritário se aninha e se disfarça na própria lei. O processo legislativo atende à conveniência política do poderoso do momento, quando não é este in persona quem edita a norma 'provisoriamente'".

(BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas: Millenium, 2008. p. 140).