"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim".
Crítica da razão prática, Kant.

Tuesday 23 September 2014

PRINCÍPIOS AMBIENTAIS E SUA REPERCUSSÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

INTRODUÇÃO: ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
O constitucionalismo contemporâneo[1] ou neoconstitucionalismo[2] trouxe consigo diversas mudanças essenciais para a teoria geral do direito, sobretudo no âmbito metodológico. É cediço que as discussões acerca da ontologia normativa e hermenêutica encontraram local minimamente unânime, em meio aos aclamados embates de positivitas contra não-positivistas [3].
Para Daniel Sarmento:[4]
No neoconstitucionalismo, a leitura clássica do princípio da separação de poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos. E ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiqüidade da sua influência na ordem jurídica, e o papel criativo da jurisprudência.
Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral.

Restou, por fim, reconhecida a normatividade dos princípios, colocados em mesmo patamar que as regras, variando destas qualitativamente: enquanto as normas são aplicadas segundo o critério do all or nothing (Alles-oder-Nichts), de forma que uma válida necessariamente excluirá a outra do ordenamento, os princípios são normas aplicadas com o critério do sopesamento[5], constituindo uma “espécie de normas jurídicas por meio das quais são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas” [6].
O Direito Ambiental, como área autônoma, é guiado por princípios específicos, além daqueles gerais da metodologia jurídica e do Direito Constitucional, Econômico etc.

1. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O princípio do desenvolvimento sustentável é norma prevista nas Leis nº 12.187/09 e 12.305/10, e decorre diretamente dos princípios constitucionais informadores da ordem econômica da “defesa do meio ambiente” e da “redução das desigualdades regionais e sociais” (art. 170 da Constituição da República Federativa do Brasil).
Preconiza que o desenvolvimento econômico não pode em hipótese alguma passar por cima de valores essenciais à dignidade humana, como o meio ambiente sadio. Conforme oportunamente observa Jorge Munhós de Souza, ao discorrer sobre a importância da corrente teórica liberalista:[7]
John Rawls afirmou que ‘cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode sobrepujá-la’. A idéia de Rawls era afirmar o raciocínio deontológico do liberalismo kantiano em oposição ao pensamento consequencialista do utilitarismo de Bentham, evitando conclusões que, por exemplo, pudessem justificar a escravidão para fins de maximização da utilidade geral da sociedade.

Neste sentido tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA PREVENÇÃO. POLUIÇÃO MEDIANTE LANÇAMENTO DE DEJETOS PROVENIENTES DE SUINOCULTURA DIRETAMENTE NO SOLO EM DESCONFORMIDADE COM LEIS AMBIENTAIS. ART. 54, § 2º, V, DA LEI N. 9.605/1998. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE LESIVA DE CAUSAR DANOS À SAÚDE HUMANA EVIDENCIADA. CRIME CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I. Os princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, previstos no art. 225, da Constituição da República, devem orientar a interpretação das leis, tanto no direito ambiental, no que tange à matéria administrativa, quanto no direito penal, porquanto o meio ambiente é um patrimônio para essa geração e para as futuras, bem como direito fundamental, ensejando a adoção de condutas cautelosas, que evitem ao máximo possível o risco de dano, ainda que potencial, ao meio ambiente.
II. A Lei n. 9.605/1998, ao dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dar outras providências, constitui um divisor de águas em matéria de repressão a ilícitos ambientais. Isto porque ela trouxe um outro viés, um outro padrão de punibilidade em matéria de crimes ambientais, trazendo a figura do crime de perigo.
III. O delito previsto na primeira parte do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, possui natureza formal, porquanto o risco, a potencialidade de dano à saúde humana, é suficiente para configurar a conduta delitiva, não se exigindo, portanto, resultado naturalístico. Precedente.
IV. A Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência tem conferido à parte inicial do artigo 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato.
V. Configurado o crime de poluição, consistente no lançamento de dejetos provenientes da criação de cerca de dois mil suínos em sistema de confinamento em 3 (três) pocilgas verticais, despejados a céu aberto, correndo por uma vala que os levava até às margens do Rio do Peixe, situado em área de preservação permanente, sendo a atividade notoriamente de alto potencial poluidor, desenvolvida sem o devido licenciamento ambiental, evidenciando a potencialidade do risco à saúde humana.
VI. Agravo regimental provido e recurso especial improvido, restabelecendo-se o acórdão recorrido. (AgRg no REsp 1418795/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 07/08/2014).


2. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
Quando a questão vem a ser de direito privado, temos como um dos princípios máximos o princípio da autonomia da vontade ou da autonomia privada. Todavia, mesmo tal princípio se rende à função social. Conforme Francisco Amaral:[8]
A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão 'autonomia da vontade' tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real.

Neste sentido, segundo os ensinamentos do civilista Flávio Tartuce [9], o novel termo 'princípio da autonomia privada' leva o direito privado, irretratavelmente, a um estado de observância da função social da vontade privada.
Nossa Constituição de 1988, fortemente influenciada pelos ideais neoconstitucionalistas de Ronald Dworkin, Robert Alexy e Gustav Zagrebelsky, trouxe em seu art. 5.º, XXII, o direito de propriedade, trazendo já no próximo inciso sua limitação: “a propriedade atenderá a sua função social”.
Em matéria ambiental, a Lei nº 11.428/06, ao regular o Bioma Mata Atlântica, foi a responsável por positivar tal princípio. Sua interpretação se dá no sentido de que a propriedade não poderá oferecer perigo ou causar danos ao meio ambiente, de forma que sua função social deverá ser observada também na perspectiva ambiental.
Assim entende o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÕES. AUSÊNCIA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ARESTO RECORRIDO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 126/STJ.
1. Todas as questões suscitadas pela parte foram apreciadas pelo acórdão recorrido que concluiu pela inexistência de autorização ambiental para a construção do restaurante em área de preservação permanente, bem como que seriam inócuas as alegações de que à época da construção do restaurante, há mais de 25 anos, já inexistia vegetação natural, o que não caracteriza a suposta contrariedade ao artigo 535 do CPC.
2. O aresto impugnado perfilha o mesmo entendimento desta Corte, o qual considera que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado e que as ações de pretensão de cessação de danos ambientais é imprescritível. Precedentes.
3.  O Tribunal a quo entendeu razoável a demolição do imóvel situado na Praia de Taquaras com base em dispositivos da Constituição da República - arts. 216, 225 e 170, incisos III e VI, bem assim após minuciosa ponderação dos princípios e postulados constitucionais abrangidos na lide - direito à moradia e ao meio ambiente, função social da propriedade e precaução. No entanto, não se constata a interposição do competente recurso extraordinário, impondo a incidência da Súmula 126/STJ.
4. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 1223092/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 04/02/2013).




3. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
O princípio da prevenção, em matéria ambiental, está expressamente previsto nas Lei nº 11.428/06 e 12.187/09.
É aplicada tomando-se por base determinado risco cientificamente certo, e vincula, sobretudo, a Administração Pública, enquanto gestora socioambiental. Neste sentido, no exercício de seu poder de polícia, deve a Administração impor restrições e condições para a exploração sadia do meio ambiente, com o fito de evitar riscos conhecidos.
Assim entendeu o Superior Tribunal de Justiça, ao deliberar sobre suspensão de liminar interposta por Município acerca de empreendimentos condominiais que surtiriam efeitos potencialmente danosos à saúde pública em razão de provável avanço imobiliário desordenado:
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE SUSPENSÃO. GRAVE LESÃO À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE SUSPENSÃO INDEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
II - Não se mostra viável na presente senda o exame do acerto ou desacerto de decisum, não podendo o incidente ser utilizado com o objetivo de discutir o próprio mérito da ação principal, in casu, a necessidade, ou não, de se observar a Lei de Parcelamento de Solo Urbano nos licenciamentos e aprovações dos condomínios que estão sendo implementados no Município de Concórdia.
III - Em relação à alegação de grave lesão à ordem econômica, depreende-se dos autos especial preocupação de que da forma como os empreendimentos condominiais estão sendo tratados pelas autoridades locais surjam efeitos potencialmente danosos à saúde pública em razão de provável avanço imobiliário desordenado.
IV - Entendo que os provimentos judiciais os quais se pretende a suspensão não tem o condão de gerar lesão à ordem pública do Município do Concórdia, já que ao Poder Judiciário incumbe fazer cessar qualquer ilegalidade que seja levada a seu conhecimento, ainda que tal medida possa frustrar, em algumas situações, o implemento de políticas públicas urbanas, no presente caso, a expansão imobiliária no município de Concórdia, considerada, pelas decisões ora ainda impugnadas, maléfica ao meio ambiente.
V - Assim, entendo prestigiado o interesse público da municipalidade já que as rr. decisões impugnadas apenas conferiram eficácia ao princípio ambiental da prevenção, haja vista o conhecimento notório de que o crescimento urbano desordenado pode comprometer os serviços essenciais tais como, água, esgoto e segurança. Agravo regimental desprovido. (AgRg na SLS 1.744/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/08/2013, DJe 26/08/2013).


4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
O princípio da precaução, por outra via, tem vez quando há não certeza, mas dúvida científica. Por não possuir plena certeza dos efeitos que se originarão de determinada conduta, deve a Administração, por meio de seu poder de polícia, proceder de forma cautelosa, evitando ações arriscadas [10].
Desta preocupação exsurge, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda outro princípio, o do in dubio pro natura:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.
7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012).


5. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL
O princípio da reparação integral do dano ambiental ordena que aquele que causou danos ambientais deva reparar integralmente o que for reparável, além de sofrer repreensão pecuniária coletiva a título de fluid recovery, de forma que se mostram plenamente cumuláveis diversas condenações simultâneas em um mesmo julgado, e. g., bem como obrigações de indenizar, de fazer e de não fazer. [11]
O Superior Tribunal de Justiça aplica tal princípio pacificamente, entendendo que o art. 3º da Lei n.° 7.347/85, que afirma que a ACP “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, deve ser lido cumulativamente, e não alternativamente, de maneira que as conjunções alternativas devem ser interpretadas como aditivas.
Neste sentido:
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA.  CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva.
3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado.
5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum debeatur. (REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013)



[1][1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. e. atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 79-80.
[2] BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 17 de maio de 2014. p. 2. ÁVILA, Humberto. "NEOCONSTITUCIONALISMO": ENTRE A "CIÊNCIA DO DIREITO" E O "DIREITO DA CIÊNCIA". Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 de maio de 2014.
[3] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Leituras complementares de direito constitucional – teoria da constituição. Marcelo Novelino (org.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, p. 4.
[4] SARMENTO, Daniel. Opera Citatum.
[5] DWORKIN, Ronald. Taking Righs Seriously. 6. imp. Londres, Duckworth, 1991, p. 26. Idem, Is law a system of rules? In: The Philosophy of Law, ed. by R. M. Dworkin, Oxford, Oxford University Press, 1977, pág. 26.
[6] ÁVILA, Humberto. Op. Cit., p. 9.
[7] SOUZA, Jorge Munhós de. A dimensão financeira dos direitos fundamentais. In Temas aprofundados do Ministério Público Federal. 2. Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2013. p. 103.
[8] AMARAL, Francisco. Direito civil. Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 347-348.
[9] TARTUCE. Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 536.
[10] AMADO, Frederico. Direito ambiental. 2ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 32.
[11] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

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