O
Direito Ambiental é fundado em duas principais correntes de pensamento ou
teorias morais: o biocentrismo e o antropocentrismo.
A
corrente biocêntrica leva à conclusão de que o meio ambiente e seus elementos
possuem uma importância fundada em sua própria existência, e devem ser
defendidos como seres e existências autônomas. É uma corrente ética que busca
reconhecer um valor inerente a todo ser vivo [1],
e não só ao ser humano, como na clássica lição kantiana [2].
Fundamenta-se
na chamada “ecologia profunda” (deep ecology)
[3],
e traz a defesa de que os seres vivos como um todo merecem ser protegidos
independentemente desse fato trazer benefícios ao homem [4],
rechaçando os ideais ecológicos utilitaristas. Conclui que o ser humano é
apenas mais uma parte de uma natureza infinita e complexa.
A
corrente antropocêntrica (do grego ἄνθρωπος
– ánthrōpos: "ser humano"; e
κέντρον – kéntron: “centro”), por sua vez, acredita que é o homem o ser mais
importante da natureza, e deverá cuidar dos demais seres apenas quando lhe for
útil [5].
O próprio Kant asseverou que o tratamento cruel de animais seria ruim apenas porque
motivaria o individuo a tratar de forma similar um ser humano [6].
Ao
tratar o meio ambiente equilibrado como um direito humano fundamental (art.
225), elegeu a Constituição da República Federativa do Brasil a corrente
antropocêntrica [7].
Contudo,
o Direito Ambiental contemporâneo é incompatível com o pensamento puramente
antropocêntrico, motivo pelo qual utiliza-se do chamado “antropocentrismo
alargado” (enlightened ou prudential anthropocentrism). Brennan, Andrew and Lo, Yeuk-Sze explicam o
fenômeno [8]:
It should be noted, however, that some theorists
working in the field see no need to develop new, non-anthropocentric theories.
Instead, they advocate what may be called enlightenedanthropocentrism
(or, perhaps more appropriately called, prudential
anthropocentrism). Briefly, this is the view that all the moral duties we have towards the environment are derived from
our direct duties to its human inhabitants. (grifos nossos).
Neste
sentido, tal corrente tertia advoga
que o homem possui deveres morais para com a natureza, mas que esses deveres
decorrem dos deveres morais para com os humanos que a habitam, de forma que “a
despeito de reconhecer o ser humano como centro do ordenamento jurídico, não
deixa de levar em consideração a sua interdependência da natureza” [9].
Esta
parece ser também a corrente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, claramente visível
quando a Corte apreciou a constitucionalidade de lei que regulava as chamadas “rinhas
de galos”:
Por
entender caracterizada ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF, que veda práticas
que submetam os animais a crueldade, o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para
declarar a inconstitucionalidade da Lei fluminense 2.895/98. A norma impugnada
autoriza a criação e a realização de exposições e competições entre aves das
raças combatentes (fauna não silvestre). Rejeitaram-se as preliminares de
inépcia da petição inicial e de necessidade de se refutar, artigo por artigo, o
diploma legislativo invocado. Aduziu-se que o requerente questionara a validade
constitucional da integridade da norma adversada, citara o parâmetro por ela
alegadamente transgredido, estabelecera a situação de antagonismo entre a lei e
a Constituição, bem como expusera as razões que fundamentariam sua pretensão.
Ademais, destacou-se que a impugnação dirigir-se-ia a todo o complexo normativo
com que disciplinadas as "rinhas de galo" naquela unidade federativa,
qualificando-as como competições. Assim, despicienda a indicação de cada um dos
seus vários artigos. No mérito, enfatizou-se que o constituinte objetivara
assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do
meio ambiente, que traduziria conceito amplo e abrangente das noções de meio
ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral. Salientou-se,
de um lado, a íntima conexão entre o dever ético-jurídico de preservação da
fauna e o de não-incidência em práticas de crueldade e, de outro, a
subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado
(direito de terceira geração). Assinalou-se que a proteção conferida aos
animais pela parte final do art. 225, § 1º, VII, da CF teria, na Lei 9.605/98
(art. 32), o seu preceito incriminador, o qual pune, a título de crime
ambiental, a inflição de maus-tratos contra animais. Frisou-se que tanto os
animais silvestres, quanto os domésticos ou domesticados - aqui incluídos os
galos utilizados em rinhas - estariam ao abrigo constitucional. Por fim,
rejeitou-se o argumento de que a "briga de galos" qualificar-se-ia
como atividade desportiva, prática cultural ou expressão folclórica, em
tentativa de fraude à aplicação da regra constitucional de proteção à fauna. Os
Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli assentaram apenas a
inconstitucionalidade formal da norma. Precedentes citados: RE 153531/SC (DJU
de 13.3.98); ADI 2514/SC (DJU de 3.8.2005); ADI 3776/RN (DJe de 29.6.2007). ADI
1856/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 26.5.2011. (ADI-1856). (Informativo Nº 628/STF.
Brasília, 23 s 27 de maio de 2011).
Da
mesma forma entendeu quanto à festividade intitulada “farra do boi”:
Ementa:
COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA
FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a
todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a
difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII
do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por
submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma
constitucional denominado "farra do boi". (STF, RExt 153531, Segunda
Turma, Rel. p/ ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 13/03/1998).
Tal
corrente, portanto, parece ser a que prevalece do ambiente teórico contemporâneo.
Não se olvide, contudo, de que a Constituição da República de 1988 adotou o
clássico antropocentrismo.
[1] DERR, Patrick George; Edward M. McNamara (2003). Case studies in
environmental ethics. Rowman & Littlefield. p. 21. ISBN 978-0-7425-3137-6.
[2] KANT, Immanuel. Fundamentação
da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
[3] ORTON, David. Left Biocentrism Primer. 1998-03-15. Disponível em: < http://home.ca.inter.net/~greenweb/lbprimer.htm>.
Acessado em 28 de setembro de 2014.
[4]
FARIAS, Talden. COUTINHO,
Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Direito
ambiental. 2ª Edição: revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2014, p. 24.
[5] Brennan, Andrew and Lo, Yeuk-Sze, "Environmental Ethics",
The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2011 Edition), Edward N. Zalta
(ed.), URL =
<http://plato.stanford.edu/archives/fall2011/entries/ethics-environmental/>.
[6] Kant, Immanuel. “Duties to Animals and Spirits”, in Louis Infield
trans., Lectures on Ethics, New York: Harper and Row, 1963.
[7] FARIAS, Talden. COUTINHO,
Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Idem. Ibidem.
[8] Idem. Ibidem.
[9] FARIAS, Talden. COUTINHO,
Franscisco Seráphico da Nóbrega. MELO, Geórgia Karênia R. M. M.. Idem, p. 25.
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