Jurandi Ferreira
de S. Neto.
A relação trabalhista se origina de um
negócio jurídico. Contudo, é negócio sui generis,
porquanto caminha tênue sobre a fronteira de direitos indisponíveis. Por conta
de seu conteúdo, teve tratamento reservado e específico pela Constituição da
República Federativa do Brasil, que se preocupou em gravar tais relações de
cláusulas cogentes, bem como proporcionar estruturas estatais específicas para
sua tutela.
Já no art. 1.º, inciso IV da
Constituição da República, cristalizou o constituinte originário como
fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa. Ao fazê-lo, buscou equilibrar motivações oriundas da
política liberalista com os ideais sociais, consagrando um Estado Social, ou um
elemento social de um Estado Constitucional Democrático [1].
Em que pese seu caráter ímpar, a relação
não deixa de conter os traços de um negócio jurídico – dentre eles a
bilateralidade [2].
Como contrato, possui força obrigatória [3],
embora adequada ao contexto. Assim, é possível que haja infrações contratuais
por ambas as partes.
Infração, do latim infractio ou infrigere, é
aquele fato que viola “disposição de lei, onde há cominação de pena” [4].
Pode ser por parte do empregador ou do empregado. Poderá gerar advertência,
suspensão ou rescisão do contrato por justa causa.
Quanto àquelas infrações cometidas pelo
empregado, vê-se que o art. 2.º da Consolidação das Leis Trabalhistas concede
ao empregador o chamado poder diretivo [5].
Para a doutrina, o poder diretivo do
empregador de subdivide em três: poder de fiscalização [6]
ou controle [7],
poder de organização e poder disciplinar.
O poder de fiscalização ou controle é
aquele que possui o empregador para acompanhar as atividades do empregado
durante o horário de trabalho. O poder de organização é aquele pelo qual tem o
empregador a prerrogativa de determinar o modus
operandi de sua atividade, direcionando e organizando o trabalho, inclusive
através de regulamentos.
O poder disciplinar, por fim, é aquele
que toca o assunto tratado. Acerca deste há quatro diferente correntes: a negativista,
a civilista, a penalista e a administrativista.
A teoria negativista nega a
possibilidade de o empregador aplicar sanções, sob o argumento de que o jus puniendi seria exclusivo do Estado.
A corrente foi facilmente derrubada, haja vista que diversas outras relações
que, sem a presença do Estado, demonstram certo poder de disciplina, como, e.g., o poder familiar do direito de
família. Ademais, possui o jus puniendi
objeto deveras mais abrangente do que o poder disciplinar.
A civilista assemelha o poder
disciplinar à cláusula penal do direito das obrigações, mas não pode ser aceita
porquanto possuem naturezas diferentes: uma de cunho patrimonial e outra com
caráter estritamente moral e pedagógico [8].
A penalista equipara a função do poder
disciplinar àquela das penas criminais, afirmando que ambas existem para organizar
a sociedade. Contudo, vê-se que as penas criminais, na esteira das teorias
relativas [9],
possuem como função a prevenção geral e a prevenção específica, enquanto os efeitos
daquela advinda do poder disciplinar alcançam apenas os empregados daquela
determinada empresa.
Outro fato importante seria o princípio
da legalidade, que, no direito penal exigiria também a prévia cominação legal
(art. 5.º, inciso XXXIX, CRFB), enquanto no direito do trabalho não.
Por fim, a teoria administrativista
explica que a empresa seria uma instituição, “equiparando-se ao ente público” [10].
Portanto, o empregador tem o poder e a responsabilidade de manter a ordem em
seu âmbito.
Insta mencionar a teoria da eficácia
diagonal dos direitos fundamentais [11],
extensão da teoria da eficácia horizontal, que defende que a relação
empregatícia, por funcionar de forma ímpar, merece também cautela ímpar, vez
que é ambiente amplamente fértil para violações a direitos fundamentais. Neste
sentido, cabe ao empregador ter o máximo de zelo e razoabilidade no uso do
poder diretivo, mais enfaticamente o disciplinar.
Deve o empregador valer-se notadamente
da proporcionalidade (oriunda do direito germânico, Verhaltnismäßigkeitsgrundsatz[12]),
podendo o Poder Judiciário aferir sua aplicação em sua base tríplice:
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito [13].
O ideal é que as sanções sejam aplicadas gradativamente: advertência, suspensão
e só então, sendo o caso, rescisão por justa causa.
Com fins de fornecer meios para o
exercício do poder disciplinar, a Consolidação das Leis Trabalhistas trouxe
dois tipos de punição: a suspensão,
que não poderá ser superior a 30 (trinta) dias sob pena de ser causa de rescisão
injusta do contrato de trabalho (art. 474, CLT); e, em caso extremo, a rescisão
do contrato de trabalho com justa causa (art. 482, CLT).
O costume, no entanto, criou a
advertência, que, por ser mais benéfica para o empregado, foi amplamente aceita
pela comunidade jurídica.
Por via de exceção se aceita, ainda, a pena
pecuniária aos atletas profissionais.
As infrações do trabalhador estão principalmente
previstas no art. 482, da Consolidação das Leis Trabalhistas, havendo, contudo,
infrações em normas específicas. Verbi
gratia, os empregados aprendizes, nos termos do art. 433, I e III da Consolidação
das Leis Trabalhistas, poderão ser punidos de forma específica pelo “desempenho
insuficiente ou inadaptação” ou “ausência injustificada à escola que implique
perda do ano letivo” [14].
Igualmente, havia a (no mínimo) estranha
exigência do art. 508 da Consolidação das Leis Trabalhistas que considerava como
infração a “abstenção contumaz quanto ao pagamento de dívidas legalmente
exigíveis” para empregados bancários. Entretanto, tal artigo foi revogado pela
Lei n.º 12.347 de 2010.
Por fim, a Consolidação das Leis
Trabalhistas, em seu art. 240, parágrafo único, considera falta grave para os
ferroviários que se negarem a prestar trabalho quando o horário de trabalho for
dilatado em razão de urgência ou acidente.
Há duas teorias quanto às punições: a
teoria genérica e a taxativa.
A norma jurídica de conduta, conforme a
doutrina [15],
é composta por um preceptum iuris
(preceito jurídico) e um sanctio iuris
(sanção jurídica). No direito do trabalho, o preceptum iuris figura por vezes como cláusula geral [16],
cabendo ao empregador completá-la a partir de sua compreensão de realidade. Por
tal motivo, é amplamente possível o controle judicial do poder disciplinar.
A teoria genérica dispensa a previsão
legal da preceptum iuris, de forma
que caberia ao empregador avaliar livremente se conviria ou não punir
determinada conduta. Ora, tal compreensão seria flagrantemente contrária à
necessidade de segurança jurídica – a norma de conduta serve para orientar o
comportamento. Como poderia um indivíduo orientar a sua conduta sem saber como
deve se portar?
A teoria taxativa, por sua vez, obedece
ao princípio da legalidade – nullum
crímen, nulla poena sine lege (art. 5.º, XXXIX, CRFB). Esta é a corrente
aceita pelo nosso ordenamento.
Sergio Pinto Martins traz, para a
caracterização de justa causa (para advertência, suspensão ou rescisão do
contrato) a exigência de elementos objetivos e subjetivos [17].
Os subjetivos são aqueles associados à culpa lato sensu do empregado (culpa ou dolo) quanto à conduta praticada.
Os elementos objetivos, por sua vez, são
diversos: tipo legal, gravidade do ato, nexo entre fato e punição,
proporcionalidade e imediação da punição (em nome da segurança jurídica). Não
poderá o empregador, ainda, punir em bis
in idem, ou fazê-lo por ato irrelevante para o serviço.
Conforme a Súmula 14 do TST, poderá
haver culpa recíproca (infrações simultâneas do empregado e empregador) pelo fato.
Neste caso, quando a justa causa houver sido a priori por fato do empregador e
ficar comprovada, na verdade, culpa recíproca, reduzir-se-á à metade a
indenização devida ao empregado (art. 484, CLT), bem como o valor do
aviso-prévio, das férias proporcionais e da parte a ser paga do décimo terceiro
salário.
Conforme o art. 482 da Consolidação das
Leis Trabalhistas, constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho
pelo empregador:
a) ato
de improbidade, termo advindo do latim improbitas,
oposto àquilo que é probo, confiável, de boa intenção. Seriam atos
necessariamente dolosos e ofensivos ao serviço e ao empregador;
b) incontinência
de conduta, entendida pela doutrina como ausência de pudor, ou quando
houver prática de assédios libidinosos etc.
c) mau
procedimento, preceito utilizado residualmente, ou seja, na ausência de
outro mais específico, podendo ser assim considerada, e.g., a conduta ofensiva aos deveres colaterais da boa-fé;
d) negociação
habitual, conduta ofensiva à cláusula
de não concorrência [18],
pela qual não pode o empregado se utilizar de negociações habituais que
resultem em concorrência desleal para seu empregador;
e) condenação
criminal transitada em julgado contra o empregado, e apenas caso não tenha
havido suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal);
f) desídia, comportamento habitual, no desempenho
das respectivas funções, pelo qual o empregado se mostra indiferente para com a
consequência de suas omissões, surgindo no cotidiano através de pequenas faltas
reiteradas;
g) embriaguez
habitual ou em serviço, vez que
cabe ao empregador manter a ordem no serviço, bem como manter o ambiente de
trabalho em harmonia. Neste sentido, vê-se que a embriagues deve ser habitual, e nunca fortuita; ou, mesmo uma vez isolada, caso ocorra durante o serviço;
h) violação
de segredo da empresa, pois é violação da fidúcia inerente ao contrato de
emprego;
i) indisciplina,
quando houver violação a regras gerais, relativas ao poder de organização do
empregador;
j) insubordinação,
quando houver descumprimento de ordens pessoais e imediatas;
j) abandono
de emprego, que, em razão do princípio da continuidade da relação de
emprego, apenas ficará configurado com a comprovação de dois elementos:
quantidade de dias e animus abandonandi,
de procedência objetiva e subjetiva, respectivamente. A Súmula 32 do Tribunal
Superior do Trabalho expõe o entendimento de que se presume “o abandono de
emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias
após a cessação do benefício previdencário nem justificar o motivo de não o fazer”.
É de presunção relativa que se trata. Poderá ser configurado o abandono com
prazo inferior, porém, com prova idônea do animus
abandonandi;
k) ato
lesivo da honra ou da boa fama de qualquer pessoa, salvo se ocorrer em
legítima defesa própria ou de terceiro;
l) ofensas
físicas em serviço, salvo se ocorrer em legítima defesa própria ou de
terceiro;
m) prática
constante de jogos de azar, de qualquer tipo, com habitualidade.
Por fim, o parágrafo único do art. 482
dispões que constitui “justa causa para dispensa de empregado a prática,
devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à
segurança nacional”. Não é difícil observar a mens legis do dispositivo. Ele foi incluído pelo Decreto-lei nº 3
de 1966 – pouco após o golpe militar de 1964.
O objetivo claro da norma, bem como de
muitas outras espalhadas pelo ordenamento durante os períodos da era varguista
e do regime militar e que, en passant,
apesar das reformas ainda maculam o direito brasileiro em várias áreas (Código
Penal de 1940, Código de Processo Penal de 1941), era evitar a disseminação de
ideais comunistas ou quaisquer outros que ameaçassem o regime ditatorial.
Quando a infração for praticada não pelo
empregado, mas pelo empregador, será caso para rescisão indireta do contrato de
emprego. Para que não se considere abandono de emprego, as razões da rescisão
deverão ser comunicadas ao empregador.
Deve o empregado se desvincular o quanto
antes do serviço, sob pena de restar a conclusão de que a causa não foi
suficiente rescisão do contrato, bem como de que tenha havido perdão. Para
verificar a justa causa deve ajuizar ação na Justiça do Trabalho, requerendo a
rescisão.
Os casos de rescisão indireta do
contrato de trabalho, ou hipóteses de infraçãopor parte do empregador estão no
art. 483 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que prevê que o empregado
poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos
bons costumes, ou alheios ao contrato, cabendo in casu interpretação extensiva (expansiva ou em sentido amplo);
b) for tratado pelo empregador ou por
seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo, ou seja, abuso do poder
diretivo;
c) correr
perigo manifesto de mal considerável, quando houver sujeição do empregado a
situações que coloquem em risco sua integridade física ou psíquica;
d) não
cumprir o empregador as obrigações do contrato. Considera-se inadimplida a
obrigação de prestar o pagamento quando retardada esta por três meses ou mais.
Não se considera descumprimento de obrigação do contrato o não depósito do
FGTS, porquanto trata-se de obrigação legal;
e) praticar
o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato
lesivo da honra e boa fama, como, e.g.,
assédio sexual [19];
f) o empregador ou seus prepostos
ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho,
sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância
dos salários.
Tem o empregado a faculdade de suspender
a prestação dos serviços, ou rescindir o contrato, quando for sujeito desempenhar
obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço.
No caso de morte do empregador
constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o
contrato de trabalho.
Tratando-se de menor, poderá este
pleitear a rescisão indireta por justa causa do quando o empregador “não tomar
as medidas possíveis e recomendadas pela autoridade competente para que o menor
mude de função”, consoante o parágrafo único do art. 407 da CLT.
Cuidando-se o caso de justa causa pelo
inadimplemento das obrigações contratuais ou pela redução de trabalho que
resulte redução salarial, o empregado poderá permanecendo ou não no serviço até
final decisão do processo, enquanto pleitear a rescisão de seu contrato de
trabalho e o pagamento das respectivas indenizações.
[1]
STERN, Klaus. SACHS,
Michael. DIETLEIN, Johannes. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland Bd.
IV/1. Halbband: Die einzelnen Grundrechte: Der Schutz und die freiheitliche
Entfaltung des Individuums. München:
Verlag C.H. Beck, 2006.
[2] REALE, Miguel. Lições
preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 204.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4. Ed. São
Paulo: Atlas, 2004. p. 390.
[4] SILVA, De Plácido e. Vocabulário
Jurídico. 27. Ed. Rio de Janeiro, 2008. p. 741.
[5] MARTINEZ, Luciano. Curso de
direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho.
3. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 202. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do
trabalho. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 2016.
[6] MARTINEZ, Luciano. Op. Cit.
[8] Op. Cit., p. 219.
[9] PRADO, Luiz Regis. Curso de
direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1.º a 120. 12. Ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2013. p. 629-634.
[10] MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit.
[11] “Os direitos fundamentais, em
sua eficácia horizontal, ou, usando a moderna concepção de Sérgio Gamonal, em
sua eficácia diagonal (Gamonal Contreras, Sergio. Cidadania na empresa e
eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2011), vinculam
não apenas o Estado, mas também os particulares” (TST. RR n.
7894-78.2010.5.12.0014/Data de Julgamento: 28/08/2013).
[13]
ÁVILA, Humberto. A
distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. I, n.º 4, julho, 2001. Disponível em
<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 22 de maio de 2014. p.
32.
[14] Art. 433. O contrato de
aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24
(vinte e quatro) anos, ressalvada a hipótese prevista no § 5o do art. 428 desta
Consolidação, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses: I – desempenho
insuficiente ou inadaptação do aprendiz; II – falta disciplinar grave; III –
ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou IV – a
pedido do aprendiz.
[15] REALE, Miguel. Lições
preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 101-102.
[16] DIDIER JR., Fredie. Cláusulas
gerais processuais. Disponível na internet: < www.frediedidier.com.br>. Acesso em 22 de maio de
2014.
[17] MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit. p. 379
[18] MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit.
p. 383.
[19] MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit.
p. 398.
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