Para
Pontes de Miranda, testamento é “o ato pelo qual a vontade de alguém se declara
para o caso da morte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou
extinguir direitos” . Maria
Helena Diniz, por sua vez, condensa em seu conceito mais caracteres do
instituto, conceituando-o como um ato personalíssimo e revogável por meio do
qual alguém dispõe do todo ou de parte seu patrimônio, em consonância com a
lei, para depois de sua morte, fazendo ainda outras estipulações .
Observa
a autora, assim, o art. 1.857, §2º, que prevê como “válidas as disposições
testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas
se tenha limitado”. Assim, é possível por meio de um testamento “constituir uma
fundação (art. 62 do CC) ou instituir Bemde Família Convencional (art. 1.711 do
CC)” .
Não
se olvidando, contudo, de sua natureza jurídica, Flávio Tartuce e José Fernando
Simão conceituam testamento como “negócio jurídico unilateral, personalíssimo e
revogável pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou não,
para depois de sua morte”.
O
Código Civil, em seu art. 1.857, prevê que “toda pessoa capaz pode dispor, por
testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua
morte”, fazendo a ressalva de que “a legítima dos herdeiros necessários não
poderá ser incluída no testamento”, pois “havendo herdeiros necessários, o
testador só poderá dispor da metade da herança” (art. 1.789).
O
testamento é ato jurídico unilateral e personalíssimo, que pode ser livremente
revogado (art. 1.858), merecendo ressalva eventual reconhecimento de filiação
(art. 1.610, CC). Pelo fato de ser personalíssimo, o próprio Código, em seu
art. 1.863, veda o testamento conjuntivo (celebrado por uma pluralidade de
pessoas), seja simultâneo (mais de um indivíduo beneficiando simultaneamente
terceiro), recíproco (duas pessoas se beneficiando reciprocamente no mesmo ato ) ou
correspectivo (ficam previstas retribuições, entre duas pessoas, em um mesmo
testamento).
Por
exclusão feita pelo art. 1.860 e seu parágrafo único, têm capacidade
testamentária ativa todos aqueles que não forem absolutamente incapazes ou que,
no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Por conter o Código expressa
previsão de capacidade, os maiores de dezesseis anos podem testar mesmo sem
qualquer assistência . Ainda,
a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o
testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade (art.
1.861), vez que a capacidade deve ser avaliada ao tempo da prática do ato.
Entendimento diverso levaria à invalidade de qualquer testamento, por se tratar
de um negócio mortis causa, e os
mortos não detêm qualquer capacidade ativa.
Conquanto
preveja o Código, em seu art. 1.859, o prazo decadencial de 5 (cinco) anos para
se impugnar a validade do testamento, uma interpretação sistêmica da legislação
privada induz ao entendimento de que o prazo decadencial é apenas aplicável aos
vícios que causem nulidade relativa, porquanto os atos absolutamente nulos não
convalidam com o decurso do tempo (art. 169). Por este motivo, a ação de
nulidade do testamento tem natureza declaratória e, portanto, é imprescritível,
não podendo também sobre ela correr prazo decadencial (não há situação jurídica
para ser desconstituída).
Conforme
o Código Civil, há formas ordinárias e especiais de testamento. São formas
ordinárias o público, o cerrado e o particular (art. 1.862). São formas
especiais o marítimo, o aeronáutico e o militar (art. 1.886).
O
testamento público é aquele lavrado por tabelião de notas, e, portanto, a forma
mais segura. Conforme o art. 1.864, são requisitos essenciais do testamento
público:
I - ser escrito por tabelião ou
por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do
testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II - lavrado o instrumento, ser
lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo;
ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III - ser o instrumento, em
seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Segundo
o parágrafo único do mesmo artigo, o testamento público pode ser escrito
manualmente ou mecanicamente, podendo inclusive ser feito pela inserção da
declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que
rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Mesmo
sendo um documento repleto de devidas formalidades, a jurisprudência tem
flexibilizado o formalismo do instituto , com
vistas ao princípio da operabilidade, em busca da chamada “concretude
realeana”, que prega “um Direito Privado real e efetivo” .
Não
sabendo ou não podendo assinar o testador, o tabelião ou seu substituto legal deverá
declarar este fato, assinando por ele, a seu pedido, uma das testemunhas
instrumentárias (art. 1.865).
O
indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o
souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas (art.
1.866). Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz
alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por
uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo
circunstanciada menção no testamento (art. 1.867).
Ressalta
a doutrina que, em que pese ser tal testamento público, este não deverá ficar à
disposição para consulta por qualquer do povo, por ser documento extremamente
pessoal .
O
testamento cerrado (ou “fechado”), também chamado por “testamento místico”,
carrega estas denominações por permanecer, desde sua aprovação, fechado e com o
conteúdo em segredo até a ocorrência do evento condicionador de sua eficácia –
a morte.
Assim,
será escrito pelo testador ou, a seu pedido, por terceiro, apenas sendo válido
se aprovado por tabelião. Segundo o art. 1.868, deve-se observar as seguintes
formalidades:
I - que o testador o entregue ao
tabelião em presença de duas testemunhas;
II - que o testador declare que
aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado;
III - que o tabelião lavre, desde
logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em
seguida, ao testador e testemunhas;
IV - que o auto de aprovação seja
assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.
O
testamento poderá ser escrito por máquina de datilografar ou computador, mas
todas as páginas deverão ser numeradas e autenticadas pelo testador (art.
1.868, parágrafo único).
O
auto de aprovação deve ser iniciado pelo tabelião logo após a última palavra do
testador, momento em que deverá declarar, sob sua fé, que o testador lhe
entregou o testamento para ser aprovado na presença das testemunhas. Em
seguida, passará o tabelião a lacrá-lo, costurando-o, com cinco pontos de
retrós , o
instrumento aprovado (art. 1.869). Não havendo espaço na última folha do
testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal
público, mencionando a circunstância no auto (art. 1.869, parágrafo único).
Mesmo
em caso do tabelião haver escrito o testamento, a pedido do testador, isto não
obstará que ele o aprove (art.
1.870).
O
testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio
testador, ou por outrem, a seu rogo (art. 1.871), e não pode dispor de seus
bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler (art. 1.872). Pode
fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo, e o assine
de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as duas testemunhas,
escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu
testamento, cuja aprovação lhe pede (art. 1.873).
Depois
de aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao testador, e o tabelião
lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi
aprovado e entregue (art. 1.874). Falecido o testador, o testamento será
apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido,
se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de
falsidade (art. 1.875).
O
testamento particular, também chamado de “hológrafo”, pode ser escrito de
próprio punho ou mediante processo mecânico. (art. 1.876). Se escrito de
próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado
por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem
subscrever. Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou
espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na
presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Cumpre
observar que, também nesta forma, os formalismos têm sido mitigado pela
jurisprudência, sobretudo no que toca ao número de testemunhas e à
leitura da declaração perante as testemunhas, pois o que importa é o
reconhecimento da “manifestação de livre vontade do testador e de sua capacidade
mental” .
Morto
o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros
legítimos (art. 1.877), fase que, para a doutrina, é a execução do testamento,
ou fase na qual ele adquire eficácia, com a confirmação judicial . Se as
testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a
sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como
a do testador, o testamento será confirmado (art. 1.878). Se faltarem
testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o
testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova
suficiente de sua veracidade.
Em
circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de
próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado,
a critério do juiz (art. 1.879).
Quanto
aos referidos testamentos especiais, dispõe expressamente o Código tratar-se a
lista no art. 1.886 de rol taxativo (art. 1.887). Apenas serão possíveis o
marítimo, o aeronáutico e o militar, nos termos estipulados.
A
figura do testamento marítimo consta na codificação privada para aqueles que,
estando a bordo de navio nacional, de guerra ou mercante, tiverem a necessidade
de declarar sua última vontade, sobretudo em circunstâncias de iminente risco
de morte. Deverão fazê-lo perante o comandante, em presença de duas
testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado, com
registro no diário de bordo (art. 1.888).
Da
mesma forma e nos mesmos termos é lícito aos que estiverem em situação similar
a bordo de aeronaves, devendo fazê-lo perante pessoa designada pelo comandante
(art. 1.889). O testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do
comandante, que o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto ou
aeroporto nacional, contra recibo averbado no diário de bordo (art. 1.890).
Referido
documento caducará se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias
subsequentes ao seu desembarque em local em que possa fazer testamento ordinário
(art. 1.891). Haja vista que foi criado para situações extraordinárias, dispões
o Código que o testamento nesses moldes não valerá se, ainda que feito no curso
de uma viagem, o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e
testar na forma ordinária (art. 1.892).
Há
ainda uma forma de testamento, também reservada para situações de emergência: o
testamento militar. Poderá ser utilizado por militares e demais pessoas a
serviço das Forças Armadas, quando se encontrarem em campanha ou confrontos,
dentro ou fora do País. Não havendo tabelião ou quem faça suas vezes, deverá
ser feito diante de duas testemunhas, ou três testemunhas se o testador não puder,
ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas (art. 1.893).
Se
o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento será
escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação ou posto inferior.
Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo
respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento. Se o testador
for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o
substituir (§§ 1º, 2º e 3º do art. 1.893).
Poderá
ser feito de próprio punho, contanto que o testador o date e assine por
extenso, apresentando-o na presença de duas testemunhas ao auditor, ou ao
oficial de patente, que lhe faça as vezes (art. 1.894). O auditor, ou o oficial
a quem o testamento se apresente notará, em qualquer parte dele, lugar, dia,
mês e ano, em que lhe for apresentado, nota esta que será assinada por ele e
pelas testemunhas.
Da
mesma forma que o testamento marítimo ou aeronáutico, o testamento militar caduca
se o testador perdurar por noventa dias seguidos em lugar onde possa fazer
testamento ordinário, salvo se esse testamento apresentar as solenidades
prescritas no parágrafo único do art. 1.894 (art. 1.895).
É
também lícito que seja feito oralmente, a duas testemunhas. Ainda, não terá
efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou convalescer do
ferimento (art. 1.896).