1.
PANORAMA TEÓRICO A RESPEITO DAS CAUSAS EXCLUDENTES DE
RESPONSABILIDADE CIVIL
As
causas excludentes de responsabilidade civil são situações que, ao
ocorrer, tendo como resultado um dano, não geram, contra o agente,
pretensões indenizatórias.
Diferentemente
das causas concorrentes, que, conforme o art. 945 do Código Civil,
diminuem a responsabilidade1,
as causas excludentes realmente excluem, ou fulminam qualquer
pretensão indenizatória2.
Tal fato se dá no intuito de aproximação da realidade, visto que,
fora do âmbito meramente jurídico, no plano da realidade, não se
pode imputar ao agente culpa lato sensu
quando sua conduta for determinada por uma dessas situações.
O
Direito não deverá, neste sentido, intervir na motivação de atos
inofensivos, que não transcendam a pessoa do agente, da mesma forma
que não poderá culpá-lo de algo quando a vontade para aquela
conduta não houver sido autônoma3.
As
causas excludentes da responsabilidade civil atacam
diretamente os elementos da responsabilidade civil4,
fazendo-a inexistir. Ocorre
sempre que há um fato
externo,
ou seja, heterônomo5,
que leva a ocorrer algo que,
mesmo diante de ação do
agente, não se originou de sua própria vontade, ou seja, não foi
espontânea, não nasceu de sua autodeterminação.
Cabe
destacar, neste sentido, que são as
causas que excluem a responsabilidade civil quatro, sendo estas6:
- Estado de necessidade;
- legítima defesa;
- exercício regular de direito
- estrito cumprimento do dever legal;
- caso fortuito e força maior;
- culpa exclusiva da vítima;
- fato de terceiro.
As causas que se encontram numeradas de 1 a 4 são hipóteses de
exclusão da ilicitude, enquanto as três últimas constituem
exclusão do nexo causal.
Verifica-se, além destas, que exclui a responsabilidade civil a
cláusula contratual que assim dispõe, por um acordo de
vontades.
2. SOBRE AS CAUSAS EXCLUDENTES
2.1 ESTADO DE NECESSIDADE OU REMOÇÃO DE PERIGO IMINENTE
A primeira causa de exclusão da responsabilidade civil ocorre
quando o agente se vê em uma situação na qual tem que realizar um
sopesamento de valores, chamada de estado de necessidade, como foi
consagrada e disseminada pelo Direito.
O que se passa, portanto, na situação em pauta, é que o agente é
obrigado pelas circunstâncias a sacrificar um bem jurídico. Deve
necessariamente ser um bem jurídico, não importando de que espécie,
caso contrário o Direito não de disporia a proteger, de forma que o
dano material não seria juridicamente ressarcível, não havendo o
que se falar em responsabilidade civil, logo, em exclusão.
O bem jurídico, porém, não será simplesmente sacrificado, mas
deixado de lado ou desconsiderado face a outro, de reconhecido maior
valor. É possível, portando, sacrificar um carro em prol de uma
vida, mas nunca o oposto. Ou um animal feroz na iminência de atacar
um ser humano, não sendo justificável, porém, sacrificar a vida de
um ser humano que estiver prestes a tirar a vida de um animal.
Neste sentido, dispõe o art. 188 do Código Civil:
Art.
188. Não constituem atos ilícitos:
I
– os
praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II
– a
deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa,
a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo
único. No caso do inciso II, o
ato
será
legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente
necessário,
não excedendo os limites do indispensável para a remoção do
perigo.
Portanto,
podemos concluir que não há que se falar em estado de necessidade
quando esta não estiver presente, por haver outras possibilidades de
poupar o bem jurídico ou quando o bem poupado não for de valor
superior ao sacrificado. Dessa
forma, o defensor será unicamente isento de responsabilidade se não
lhe era facultado outro meio de reação.
O
termo estado
de necessidade
resultou de uma alusão analógica ao instituto presente no direito
criminal como
causa excludente da ilicitude do fato criminoso,
por
força dos arts. 23 e 24,
adicionados
ao Código Penal vigente, de 1940, no ano de 1984, pela lei 7.209.
Traz o referido código, acerca do estado de necessidade, o seguinte
texto:
Art.
24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito
próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.
§
1º
– Não
pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo.
§
2º
– Embora
seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena
poderá ser reduzida de um a dois terços.
Já
o Código Civil, não traz o termo “estado de necessidade”, mas
“deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente”, em seu art. 188, II,
motivo pelo qual determinados autores trazem também o termo remoção
de perigo iminente.
Vê-se
portanto, que o instituto se caracteriza, a
priori,
pela reação ou instinto de proteção. A
posteriori,
será apenas causa excludente da ilicitude do fato ou causa
excludente da responsabilidade civil a conduta que se proceder
debaixo de perigo iminente a bem jurídico, como exposto em ambas as
legislações nacionais retromencionadas.
Existe
ainda, todavia, o elemento subjetivo para caracterização do estado
de necessidade. Tal elemento consiste na consciência
de estar protegendo bem jurídico. Neste ponto, tocamos no
motivo que ensejou a conduta.
Para
exemplificar, podemos supor uma situação na qual um motorista,
predisposto a derrubar motocicleta estacionada de seu desafeto, acaba
por aparentemente
desviar de criança que atravessava a rua correndo. Neste sentido,
constata-se que a predisposição ou motivo que ensejou a conduta do
agente foi derrubar a motocicleta, e não proteger a vida da criança.
Cabe,
por fim, verificar a possibilidade de determinada pessoa agir em
estado de necessidade contra outrem que esteja também sob o estado
de necessidade. É possível, portando, a colisão ocasional de uma
pluralidade de bens jurídicos?
É
sabido que sim. Pode o destino colocar em cheque, simultaneamente,
bens jurídicos de mais de uma pessoa, forçando-os a sacrificar o
bem alheio em prol do seu. Se trata de exemplo clássico a situação
na qual um avião está para cair e resta um único paraquedas, ou
aquela na qual um navio está para afundar e há uma única boia.
Nestes casos, o senso primitivo de sobrevivência conduzirá os
indivíduos, não se podendo julgar o que, ao fim, tiver seu bem
jurídico poupado.
Traz
o brilhante literário brasileiro, Machado de Assis, em sua obra
Quincas Borba7,
uma perfeita descrição e excepcional reflexão acerca do tema:
Supõe
tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas
chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para
transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em
abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do
campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição.
A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação.
Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. [...]
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
Ainda,
conforme traz o civilista Pablo Stolze Gagliano8,
ao tratar de hipótese na qual um motorista, ao desviar de criança a
correr pela via de trânsito, colide e põe abaixo muro de
residência, tal prejuízo poderá ser exigido judicialmente do
agente, cabendo-lhe, todavia, o direito de regresso contra o
responsável pela criança, o real responsável e
causador do
dano. Para
tal, calha explicitar os artigos 929 e 930 do Código Civil, que
trazem que:
Art.
929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do
art. 188, não
forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização
do prejuízo que sofreram.
Art.
930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa
de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para
haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Portanto:
A, motorista em via pública, põe abaixo muro da casa de B para
esquivar-se e evitar o atropelamento do filho de C. Logo, B poderá
exigir ressarcimento de A pelo prejuízo do muro, cabendo a este,
todavia, exigir regressivamente de C o que foi obrigado a ressarcir.
2.2
LEGÍTIMA DEFESA
A
legítima defesa, por sua vez, caracteriza-se pela repulsa a injusta
agressão a bem jurídico próprio ou alheio, que
se proceda no momento ou que esteja em iminência de ocorrer.
A
respeito do instituto, traz Wanderley Jorge que que a legítima
defesa consiste em uma
verdade imanente à consicência jurídica universal, que paira acima
dos códigos, como conquista da civilização9.
Não
obstante, afirma, sobre o tema, Bettiol10,
que a legítima defesa “na verdade corresponde a uma exigência
natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um
seu bem tutelado, mediante a lesão de um bem do agressor”,
exibindo assim o caráter primitivo, instintivo e natural do ser
humano como reação. Torna-se, por conseguinte, inexigível da raça
humana conduta contrária.
Não
trazendo, porém, o Código Civil de 2002, qualquer conceituação
própria a respeito do instituto, toma-se por associação analógica
a definição trazida no Código Penal de 1940, acrescida ao estatuto
legal pela
Lei nº 7.209 de 1984, qual seja: “Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Neste
sentido, vê-se que a palavra “moderadamente” vem acrescer ao
artigo uma vedação ao excesso. O excesso é, bem como punível no
direito criminal, indenizável na esfera cível.
Utiliza-se,
portanto, neste aspecto, a analogia para aplicar também a esta causa
de
exclusão o disposto no parágrafo único do art. 188 do Código
Civil, ao dispor que “o ato será
legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente
necessário, não excedendo os limites do indispensável”.
Cabe,
nesta mesma disposição, os meios
necessários
mencionados na legislação, como sendo parte da moderação ou do
“limite do indispensável”,
de
forma que o defensor será unicamente isento de responsabilidade se
não lhe era facultado outro meio de reação, bem como na excludente
prévia.
Neste
sentido, vê-se que, diferentemente do estado
de necessidade,
a legítima defesa somente se procede contra agressão. Traz a obra
do célebre e eterno professor Oscar
Joseph de Plácido e Silva, acerca do termo agressão11,
que “na terminologia jurídica, o termo mais se aplica à ofensa
ou ataque
à pessoa,
reservando-se o termo esbulho
para significar o ataque
à coisa”.
Inobstante,
traz Bitencourt12
que “define-se a agressão
como a conduta humana
que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente
tutelado”(grifos do autor).
Dessa
forma, vê-se que
não existe legítima defesa contra ataque animal, sendo
tal fator elementar da excludente anterior, o estado de necessidade.
É, todavia, legítima a defesa contra ação de inimputável, visto
que este tem a capacidade de determinar a própria conduta, portanto,
tem a intenção de agressão.
Será
ainda indenizável, cabe ressaltar, aqueles prejuízos causados pelo
defensor de direito próprio ou alheio, enquanto nesta qualidade, a
terceiros, cabendo ao defensor, posteriormente, direito de regresso
em face do responsável ou agressor. Traz o Código Civil, neste
sentido, o Código Civil que:
Art.
929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do
art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à
indenização do prejuízo que sofreram.
Art.
930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa
de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para
haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo
único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se
causou o dano (art. 188, inciso I).
Há
porém, não apenas uma forma de legítima defesa. Encontra-se ainda,
no Direito, subdivisões do instituto. Tais subdivisões consistem
em: legítima defesa real, putativa, sucessiva e recíproca13.
É
a legítima defesa real aquela que ocorre em defesa própria ou de
terceiros de agressão real,
atual ou iminente. Neste sentido, A invade, armado, a casa de B, que
ao percebê-lo deflagra contra aquele disparos de espingarda. Tal
situação cuida-se de legítima defesa a agressão iminente. Seria
legítima defesa a agressão atual caso B, havendo sido injustamente
(sem provocação) esfaqueado por A, deflagra contra este disparos de
sua espingarda, no intuito de cessar a agressão.
É
putativa e
legítima a defesa quando
a suposta vítima tem elementos reais, ou fatos, para presumir uma
agressão, que em tese, não ocorreria. Acerca do termo putativo,
traz De Plácido e Silva14:
“do latim putativos
(imaginário), de putare
(reputar, crer, imaginar, considerar)”.
Sendo
assim, suponhamos que A seja inimigo declarado de B, havendo já
tentado assassiná-lo certa vez. Determinado dia, encontra-se B
descansando no jardim de sua residência, quando encontra A
caminhando focadamente em sua direção. B, assustado, busca sua
espingarda e efetua contra A dois disparos, atingido-o em cheio um
deles. Observa B, porém, que A trazia consigo, na verdade, uma
Bíblia cristã e uma carta com pedido de perdão, visto que havia
acabado de converter-se em igreja próxima.
Não
será B, neste caso, criminalmente responsável pela morte de A,
visto ter agido em legítima defesa putativa. Todavia, a legítima
defesa putativa não
tem qualquer efeito no âmbito civil15,
cabendo ao defensor
responder civilmente pelos prejuízos e danos causados ao terceiro,
sua família e dependentes ou, de toda forma, a terceiros, não
cabendo direito de regresso no último caso.
Quanto
à legítima defesa sucessiva, é correto afirmar sua possibilidade,
mas somente quando ocorrer excesso na reação da vítima. Seria
exemplo a seguinte situação: A, policial, tem o mal hábito de
realizar piadas de mau
gosto com seus colegas.
Certa vez, tenta beliscar B, novato,
que imediatamente saca sua pistola. A, mais rápido do que B,
imobiliza-o com golpe. Não
é A responsável pelos danos causados a B, uma vez que agiu ele ao
excesso injusto, pois para repelir o beliscão não seria necessária
uma arma de fogo.
Por
fim, temos a legítima defesa em sua modalidade recíproca, ou seja,
simultânea. É possível haver legítima defesa real contra legítima
defesa real? Tem-se que não. É possível, porém, legítima defesa
real contra legítima defesa putativa16.
Da seguinte forma.
A,
recém-convertido ao budismo, busca B, seu desafeto mortal, para
pedir seu perdão. B, porém, ao vê-lo se aproximar, saca
imediatamente uma pistola, reputando ter A a intenção de fazer-lhe
mal. A, mais ágil, saca primeiro seu revólver, que, apesar dos
ensinamentos de sua nova doutrina de vida, ainda carrega consigo. A
acerca B em local crítico, matando-o. Neste caso, foi a defesa de A
legítima e real, a uma injusta agressão, apesar da intenção de B.
Outrossim,
não será A obrigado civilmente pelos danos causados, visto ter sido
sua defesa real.
Há,
ainda, a possibilidade de ocorrer legítima defesa contra estado de
necessidade. A tenta matar B pelo único paraquedas do avião, que
está caindo. Logo, B se defende, matando A. Exime completamente B de
qualquer responsabilidade civil ou criminal.
Cabe,
por fim, diferenciar em determinados pontos o estado de necessidade
da legítima defesa, que é, na realidade, uma forma específica de
estado de necessidade17.
Inicialmente,
o estado de necessidade dá-se por uma ação, enquanto a legítima
defesa dá-se por reação. Neste mesmo sentido, dá-se a legítima
defesa, como traz em termo, por uma defesa, enquanto o estado de
necessidade se finda em ataque.
Ainda,
trata-se o estado de necessidade de uma conduta lícita contra uma
conduta lícita ou fato, enquanto na legítima defesa tem-se uma
conduta (reação) lícita a uma conduta ilícita (agressão).
Não
obstante, faz-se importante mencionar o elemento subjetivo para
caracterização do instituto, que é a intenção de defender a si
ou a outrem. Se o indivíduo não houver agido sob este escopo, a
rigor, de nada vale para exclusão de sua responsabilidade.
2.3
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO RECONHECIDO
Novamente,
traz o Código Civil que:
Art.
188. Não constituem atos
ilícitos:
I
– os
praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido;
Neste
sentido vê-se que aquele que atua respaldado pelo direito não
poderá por este ser atacado ou repreendido18.
Não gera, pois, pretensão indenizatória, dano causado por
indivíduos exercitando regularmente seus direitos.
É
um claro exemplo de exercício regular de direito uma situação na
qual A, ao avistar B e ver que este se encontra pular de uma ponte,
segura-o, impossibilitando sua locomoção, e, por conseguinte, o
trágico fim. Constitui exercício regular de direito, pois autoriza
o Código Penal, no artigo 146, a coação para poupar vida de
suicida.
Ainda,
e segundo o mesmo diploma legal, não exerce coação ilegal o médico
que realiza cirurgia forçada em paciente prestes a falecer e que se
nega a permitir a intervenção.
Constitui,
outrossim, exercício regular de direito a chamada violência
esportiva, na qual todos os participantes consentiram desde o
início com a possibilidade de ferir-se ou se machucar. Neste
sentido, discípulo de arte marcial que fere, moderadamente, seu par
em combate corporal, não estará obrigado a indenizá-lo e não será
criminalmente responsabilizado por isto.
Calha,
não obstante, analisar os elementos objetivos para a construção do
exercício regular de direito.
O
termo regular traz consigo uma carga semântica que indica
limites, moderação. O antônimo, irregular, por sua vez,
significaria extrapolação, excesso ou abuso.
Pois
bem. O exercício de direito que não seja regular, ou seja, que seja
abusivo, gera, sem maiores problemas, responsabilidade para o
agente e pretensão indenizatória para o prejudicado. Seria o caso
do artista marcial que, em meio a combate corporal, faz uso de arma
de fogo, ou do médico que, para coagir o paciente a deixá-lo
realizar intervenção cirúrgica, utiliza de violência.
Vemos,
por fim, que é necessário que o exercício regular seja de direito
reconhecido, de forma que não excluem a responsabilidade
orientações religiosas ou éticas de qualquer tipo, referindo-se o
termo direito ao direito positivo em si.
2.4
ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL
O
estrito cumprimento do dever legal, mesmo que cause danos, não
gerará pretensão indenizatória. Tal ideia é ligada diretamente à
de exercício regular de direito, visto que o indivíduo que age no
estrito cumprimento de dever legal exerce regularmente direito seu.
Mesmo que não haja previsão específica no Código Civil, é uma
causa excludente facilmente decorrente da lógica: não pode ser
responsabilizado por dano aquele que tem o dever legal de causá-lo.
Este
instituto é aplicável, principalmente, aos agentes públicos, visto
o fato destes poderem atuar, em nome do interesse público,
restringindo ou afetando de forma direta determinados direitos de
particulares. O motivo de não serem estes responsabilizados
civilmente é estarem agindo no estrito cumprimento de um dever
legal.
Cabe
observar, inicialmente, que esta excludente possui dois fatores
balizadores principais: o estrito cumprimento e o dever
legal.
Ao
se trazer à baila o termo estrito cumprimento, é trazida,
por tabela, a ideia de que este cumprimento não poderá ser
extrapolado, uma vez que, como dito, deve ser estrito. Neste
sentido, não será responsabilizado o indivíduo que agir no
cumprimento estrito de um dever legal, do que se infere que
qualquer abuso ou qualquer conduta fora do cumprimento do dever legal
será passível de responsabilidade civil, caso gere danos.
Por
conseguinte, temos que deverá estar presente o dever legal,
ou seja, obrigação emanada de instrumento normativo de efeito
geral, não sendo aceitáveis portarias, regimentos, instruções
religiosas, et cetera.
Como
exemplo temos o policial que se utiliza do taser em
determinado indivíduo para dirimir ou anular a resistência a prisão
legal. Tal dever está presente no Código de Processo
Penal, quando autoriza, em seu artigo 292:
Art.
292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à
prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o
executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios
necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do
que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Destarte,
apesar de ser amplamente reconhecido pela atuação de agentes
públicos, poderá ainda o estrito dever de cumprimento legal isentar
de responsabilidade civil os responsáveis legais de menores, visto
que têm, conforme ordena o Código Civil, deveres para com eles.
Serão tais deveres, conforme o art. 1.634 do Código:
I
– dirigir-lhes
a criação e educação;
II
– tê-los
em sua companhia e guarda;
III
– conceder-lhes
ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV
– nomear-lhes
tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não
lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V
– representá-los,
até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após
essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento;
VI
– reclamá-los
de quem ilegalmente os detenha;
VII
– exigir
que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição.
Todavia,
não mais cabe a desculpa do poder familiar, antigo poder pátrio,
para infringir aos filhos ou menores sob sua guarda sua dignidade,
liberdade e demais direitos fundamentais. Neste sentido, traz
Bitencourt19
que:
Não
aceitamos a invocação do chamado direito correcional, como outrora
se fez, para justificar,
alguns “castigos”, desde que não demasiadamente excessivos.
Aquela tolerância que a lei e os costumes tinham com pais e tutores,
admitindo até pequenos castigos aos menores sob sua guarda, está
praticamente superada. E em relação aos mestres
essa permissividade
foi completamente abandonada. Modernamente, deve ser fiscalizado com
rigor o exercício do dever
de guarda e
educação dos filhos
e pupilos, para se evitar autênticas torturas ou restrições
censuráveis do direito de liberdade e de integridade, tipificadoras
de verdadeiros crimes, que precisam ser exemplarmente defendidos.
Observava-se,
preteritamente, o abuso do então pátrio poder com a
exteriorização de ordens infundadas e injustificáveis pelos pais,
que na maioria dos casos prejudicaria fatalmente a existência da
prole, pelo simples fato de não deixá-los ter ciência e refletir
sobre o que se passava. A simples subordinação da vontade, ou a
ordem cumprida unicamente por ser ordem, servindo como uma espécie
de cabresto para alternativas e planos, já feria a dignidade dos
filhos, pois todos os seres humanos nascem com dignidade pelo fato de
possuírem igualmente a vontade, ou razão prática20,
e devem todos existir como um fim em si mesmos. Acerca disto, aduz
Hironaka21:
A
responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade
ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los
na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão
total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio
poder. Aqui, na compreensão baseada no conhecimento racional da
natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais
fundamento na prática da coisificação familiar.
E
observa-se, ainda, através da visão contemporânea, a
impossibilidade dos tradicionais castigos corporais, sendo
consideráveis como uma forma de humilhação e submissão
psicofísica, uma vez que atuam por meio de repressão, via contrária
à liberdade, de forma que somos levados também à conclusão de que
um castigo corporal, como feito durante o período da famosa Santa
Inquisição pela Igreja Católica, é uma violação à dignidade
humana, e ser humano algum detém a prerrogativa de violar a
dignidade de outrem em sua integridade psicofísica22.
2.5
CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
Polêmico
é o entrave doutrinário acerca da conceituação e separação dos
institutos do caso fortuito e do caso de força maior.
Traz
o artigo 393 do Código Civil o seguinte texto:
Art.
393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo
único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Neste
sentido, vê-se que, apesar de serem os institutos reconhecidamente
fulminadores do nexo causal, o Código Civil pátrio não
estabelece per si a distinção entre o caso fortuito e o caso
de força maior.
Há
a doutrina que preze pelo prisma de ser caso fortuito
decorrente de fenômenos naturais e força maior decorrente do
destino ou do acaso, provocado pelo homem, como explicita Venosa23:
A
doutrina, na realidade, não é concorde sobre sua definição e
compreensão desses fenômenos, havendo certa divergência. O caso
fortuito (act of God,
ato de Deus no direito anglo-saxão) decorreria de forças da
natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não
provocado, enquanto a força maior decorreria de atos humanos
inelutáveis, tais como guerras, revoluções, greves e determinação
de autoridades (fato do príncipe).
Temos,
porém, que o termo fortuito nos traz alguma relação com
acaso, inclusive quando utilizado no cotidiano, sendo,
portanto, imprevisível, enquanto força maior seria fenômeno
causado por força maior do que a do indivíduo, ou seja, uma força
irresistível. Neste sentido, traz De Plácido e Silva24,
acerca do termo fortuito que:
Derivado
do latim fortuitus (contingente, casual), indica tudo que
possa vir ou acontecer por acaso, sem causas determinadas,
com falta de intenção.
Opõe-se,
assim, ao intencional, que vem ou que se causa pela vontade
humana, que se demonstrará a causa determinante do fato.
O
fortuito, pois, mostra-se o imprevisível e, por vezes,
o inadiável, visto que é o que chega sem ser esperado e por
força estranha à vontade do homem, que não o pode impedir.
Portanto,
vê-se que a força maior poderá ou não ser previsível, sendo seu
elemento básico que seja irresistível. Ainda, será o caso
fortuito um fenômeno inevitável por sua imprevisibilidade,
mesmo sendo algo que, com preparo adequado, seria resistível. Logo,
aduz Gagliano25,
ao explicitar sua tese, que:
[...]A
característica básica da força maior é a sua
inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa desconhecida (um
terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas);
ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva
na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem
médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e
até então desconhecida do evento atinge a parte incauta,
impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento,
um roubo).
É,
portanto, a doutrina concorde em mencionar que, apesar de
divergências, essa diferenciação não trará efeitos práticos,
sendo ambos excludentes do nexo causal, não havendo, portanto,
responsabilidade do agente.
2.6
CULPA OU FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA
É
a culpa ou fato exclusivo da vítima circunstância que exime
completamente a responsabilidade do agente.
Caso
a culpa não fosse exclusiva, haveria concorrência de culpas, o que
diminuiria a indenização a ser paga pelo agente, conforme o Código
Civil:
Art.
945. Se a vítima tiver
concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização
será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano.
Sendo
a culpa, porém, exclusiva, não há o que se falar em nexo
causal da do dano com o agente, pois o nexo se encontrará unicamente
entre o dano e vítima.
Seria
exemplo clássico o suicida que se atira na frente de automóvel em
alta velocidade
2.7
CULPA OU FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO
A
culpa ou fato exclusivo de terceiro é o instituto excludente de nexo
causal que se constitui quando o dano se dá por ato de terceiro,
sendo o suposto agente um mero instrumento26
para a causalidade.
Portanto,
faz-se necessário que a culpa seja exclusiva de terceiro,
caso contrário haveria concorrência de culpas.
Na
situação, seria cabível à vítima exigir ressarcimento ao
causador imediato, uma vez observada a dificuldade, muitas vezes, de
ter a vítima ciência da identidade do terceiro. Por sua vez, terá
o agente imediato o direito de regresso contra o causador real.
Tal
regresso poderá dar-se por meio de uma demanda simultânea no mesmo
processo, através do instrumento processual de intervenção de
terceiros chamado denunciação da lide, nos termos do art.
70, III, do Código de Processo Civil27
28:
Art.
70. A denunciação da lide é obrigatória:
III
– àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a
indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Poderá,
ainda, dar-se por ação de regresso autônoma29.
3
SOBRE A CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR
A
cláusula de não indenizar se trata de uma previsão contratual
excludente da responsabilidade, também conhecida como cláusula
de irresponsabilidade ou cláusula excludente de
responsabilidade30.
Esta
cláusula, todavia, é apenas válida até os limites da
responsabilidade contratual31,
de forma que a responsabilidade extracontratual ou aquiliana se
sustenta em pilares superiores ao contrato, sendo questão de ordem
pública32.
Outrossim,
verificamos ser extremamente restrita a aplicabilidade da cláusula
de não indenizar, observadas as inúmeras vedações
jurisprudenciais e doutrinárias. Dentre estas, encontram-se33:
- Cabível apenas para a responsabilidade contratual de indenizar;
- É nula em contrato de consumo, conforme os arts. 25 e 51, I, da Lei 8.078/1990, que dispõem que:
Art.
25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que
impossibilite, exonere ou atenue a obrigação
de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
Art.
51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que:
I
– impossibilitem,
exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de
qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o
fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá
ser limitada, em situações justificáveis;
- Nos contratos de adesão, em consonância com o art. 424 do Código Civil, que ordena que: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
- No contrato de transporte, conforme a Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que “em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”; conforme, ainda, o art. 734 do Código Civil, que traz o seguinte texto:Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
- Nos contratos em que a segurança é inerente ao serviço buscado pelo contratante, ou seja, nos contratos de guarda em geral34. Por exemplo, um estabelecimento é responsável pelos bens dos seus hóspedes. Inobstante, por força da Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça, “a empresa responde perante o cliente pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Não responde, porém, o condomínio, sendo válida tal cláusula em seu estacionamento, uma vez que se encontram os condôminos em pé de igualdade com a vítima35.REFERÊNCIA
1VENOSA,
Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2004. p.616.
2GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil,
volume III: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 143.
3
KANT, Immanuel. Fundamentação
da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo:
Martin Claret, 2002.
4GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit.
5KANT,
Immanuel. op. cit.
6GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit.
7ASSIS,
Machado de. Obras selecionadas, volume 02: Quincas Borba. 2. ed. São
Paulo: Editora Egéria Ltda., 1979.
8GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 145.
9JORGE,
Wiliam Wanderley. Curso de Direito Penal; Parte Geral. 6ª ed. Rio
de Janeiro, Forense, 1986. p. 290.
10BETTIOL,
Giuseppe. Direito Penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Alberto
Silva Franco. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977. v. 1.
p. 417.
11SILVA,
De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2008. p. 83.
12BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 375.
13BITENCOURT,
Cezar Roberto. op. cit. p.
378.
14SILVA,
De Plácido e. op. cit. p.
1138.
15GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 147.
16BITENCOURT,
Cezar Roberto. op. cit. p.
379.
17BITENCOURT,
Cezar Roberto. op. cit.
18GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 148.
19BITENCOURT,
Cezar Roberto. op. cit. p.
381.
20KANT,
Immanuel. Kritik der
praktischen Vernunft. Munique: Beck`sche
Reihe, 2012.
21
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na
relação paterno-filial. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br>.
Artigos de convidados. Acesso em 10 de junho de 2005.
22
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo:
Renovar, 2003.
23VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004. p. 49.
24SILVA,
De Plácido e. op. cit. p.
637.
25GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil –
Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002. v. II. p. 291.
26GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 161.
27GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit.
28VENOSA,
Silvio de Salvo. op.cit. p.
58.
29VENOSA,
Silvio de Salvo. op.cit.
30TARTUCE,
Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 3. ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: Método, 2013. p. 514.
31GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 162.
32TARTUCE,
Flávio. op. cit.
33TARTUCE,
Flávio. op. cit.
34TARTUCE,
Flávio. op. cit.
35GAGLIANO,
Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit. p. 163.
(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)
(por Jurandi Ferreira de Souza Neto)
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